Ciclotrópico Capricórnio: A ciclo-travessia solitária do continente sul-americano

CICLOTRÓPICO CAPRICÓRNIO A ciclo-travessia solitária do continente sul-americano

Dois meses para cruzar o continente sul-americano sobre uma bicicleta, seguindo o Trópico de Capricórnio e registrando em imagens todos os contrastes encontrados pelo caminho. Nesta viagem solitária, de 3.400 quilômetros pedalados, atravessei o Chile, Argentina, Paraguai e Brasil.

Antofagasta no norte do Chile, início do Ciclotrópico Capricórnio

DESERTO DO ATACAMA - Antofagasta, à beira do deserto de Atacama, no norte do Chile, foi escolhida como ponto de partida da pedalada, pois é a última cidade às margens do Pacífico que o Trópico de Capricórnio cruza.

Na outra extremidade do continente, a leste, praticamente na mesma latitude, o trópico passa por Ubatuba antes de seguir pelo Oceano Atlântico. Ubatuba foi o ponto final do "Ciclotrópico Capricórnio".

Pelicanos a espera de comida no porto de Antofagasta

O porto de Antofagasta já foi muito movimentado por causa da extração do cobre e sal no Deserto do Atacama.

Hoje, além dos inúmeros pelicanos, o lugar recebe visitas diárias de alguns leões-marinhos e tartarugas-marinhas à procura de alimento. Na cidade, está o "Monolito Trópico de Capricórnio", que mais parece um enorme portal com aproximadamente 10 metros de altura.

Próximo ao monumento, às margens do gelado Oceano Pacífico, está o símbolo de Antofagasta, a linda "La Portada", uma enorme pedra que, devido à ação do vento e do mar, tem um buraco no centro.

La Portada nas águas geladas do Oceano Pacífico - Antofagasta/Chile

Parti de Antofagasta com destino a São Pedro de Atacama, pedalando pelo deserto mais árido do planeta. O primeiro dia de pedalada foi bastante desgastante fisicamente, com o peso da bicicleta e do equipamento (aproximadamente 50kg) e uma espécie de serra a ser vencida para se chegar ao Atacama.

É possível resumir a pedalada pelo deserto com uma única palavra: impressionante. Em alguns trechos do Atacama não há qualquer tipo de vida, nem sombras.

Monolito ao Trópico de Capricórnio, próximo a La Portada

O que prevalece na geografia são pedras, areia e os tons beges e amarelados. As montanhas são o apoio visual e até psicológico durante a pedalada pelas longas retas.

Pedalei por uma região conhecida como "Pampa del Indio Muerto". Para mim, "Pampa del Cicloturista Quase Muerto".

Chegando em Calama com quatro dias de pedalada desde Antofagasta, já estava adaptado aos equipamentos. As poucas cidades e vilas espalhadas pelo caminho são importantes pontos de abastecimento de comida e água. Foi assim até a Cordilheira dos Andes.

Ruínas abandonadas no Deserto do Atacama - Chile

De Calama, antes de chegar a San Pedro de Atacama, passei pelo "Valle de La Luna", com paisagem de outro planeta.

A pequena San Pedro de Atacama, cheia de turistas europeus, abriga um imperdível museu arqueológico que conta a história da região e de seus antigos indígenas. Lá, existem duas múmias muito bem conservadas que foram encontradas no deserto.

Na cidade também está a famosa e fotogênica Igreja de San Pedro: de qualquer posição que você tirar a foto, ela sairá bem.

A Igreja de San Pedro de Atacama - Chile

É próximo a San Pedro que fica o imponente Vulcão Licancábur, com seus 5.916 metros de altitude. A aduana chilena dista três quilômetros de San Pedro de Atacama, onde começa a parte mais difícil do deserto. A estrada sobe radicalmente, passando ao lado do Licancábur e no "Paso Jama", com 4.640 metros de altitude.

Passando a fronteira com a Argentina a estrada asfaltada termina e sigo por mais cinco quilômetros pelo cascalho até a aduana Argentina, onde passei a noite, a 4.270 metros.

Pedalei durante três dias por altitudes acima de 3.000 metros nos altiplanos do Atacama. Há certa dificuldade para dormir (acampando), respirar e pedalar.

Uma múmia no Museu de San Pedro

Próximo à Cordilheira dos Andes, a vegetação se faz mais presente. Há lhamas e guanacos espalhados pelo altiplano e pequenos lagos salgados. Passei por algumas salinas.

A maior e mais impressionante de todas foi a "Salinas Grandes", imaginando que há tempos remotos tudo foi coberto por um mar.

Apesar das dificuldades enfrentadas durante a pedalada pelo Deserto do Atacama, este foi o trajeto mais solitário e impressionante de todo o "Ciclotrópico Capricórnio". ANDES E YUNGAS - O trecho percorrido pela Cordilheira dos Andes foi curto e por curvas perigosas até Purmamarca, com parada de descanso de alguns dias em San Salvador. A partir daí, o peso do equipamento é menor, pois não é preciso levar tanta água, já que existem mais cidades e postos pelo caminho.

Curtindo o deserto mais árido do planeta

A região percorrida é bem diferente do que a encontrada no deserto, a oeste dos Andes. As Yungas são florestas tropicais úmidas e a fauna/flora é bastante rica.

Avistei tatus e inúmeras espécies de gaviões, meus companheiros de estrada. Passei por Libertador General San Martin que é porta de entrada para o Parque Nacional Calilegua.

Pedalei por estrada asfaltada na Ruta 34, bastante movimentada por caminhões que seguem para Bolívia. Depois de trinta quilômetros da cidade de Embarcación, virei a direita e segui pela Ruta 81, quase abandonada. Meu objetivo era atravessar o norte da Argentina pelo "Gran Chaco" com destino a Formosa, às margens do Rio Paraguai.

Cactus de 2 a 3 metros de altura, vegetação típica da região
Acampando no deserto
Deserto de sal - Argentina
Estradas de rípio na Argentina, após passar pela fronteira com o Chile (Paso Jama)

GRAN CHACO - A estrada tem grande trecho por terra. Foi uma etapa difícil da viagem, pois a região é bastante úmida e de altas temperaturas (até 35° C) tanto de dia como de noite. Fui atacado por densas nuvens de mosquitos ao entardecer.

As regiões alagadiças do Gran Chaco na Argentina

A linha de trem que segue paralela à estrada foi desativada depois de um acidente ambiental. A ferrovia está abandonada, como as estações das poucas vilas espalhadas pelo caminho. Existe um precário e temporário serviço de vans pela estrada, evitando o isolamento total da população.

O Chaco é uma região bastante úmida e quente, muito parecida com o Pantanal brasileiro. Existe bastante gado espalhado pelos alagadiços da região onde também são vistos cágados. Os gaviões reinam nos céus.

Cheguei em Formosa completando um mês de viagem e segui até Clorinda, onde acampei às margens do Rio Paraguai, para no outro dia pegar uma balsa com destino a Assunção, capital do País.

Yungas

Depois de alguns dias em Assunção, segui com destino à Ciudad del Este, que faz fronteira com Foz do Iguaçu no Brasil. A pedalada pela estrada bastante movimentada foi puxada e inúmeras serras foram transpostas para chegar à beira do Rio Paraná e atravessar sem controle algum a Ponte da Amizade. Enfim, cheguei ao Brasil, já me sentindo em casa.

BRASIL - De Foz do Iguaçu segui até Maringá, ficando praticamente sobre o Trópico de Capricórnio até o final da viagem, em Ubatuba. No Paraná, há pouca vegetação nativa, predominando as grandes plantações de soja e milho e a terra roxa.

Pedalada pela Mata Atlântica - Salesópolis/Brasil

A passagem do estado do Paraná a São Paulo foi sobre a ponte que cruza a grande Represa Xavantes, de Carlópolis (PR) a Fartura (SP). A bonita região é bastante freqüentada por pescadores em finais de semana.

O trecho que segui pela Raposo Tavares (SP-270), de Itapetiningua a São Paulo, foi o mais monótono de toda a viagem, pelo trânsito e por conhecer o trajeto de carro. Cheguei em São Paulo em um domingo. Depois de três dias segui viagem a Ubatuba. MATA ATLÂNTICA - Driblando o trânsito caótico da cidade, segui com destino à Rodovia Ayrton Senna, antiga Trabalhadores. Logo depois do primeiro pedágio, seguindo para Moji das Cruzes, existe uma placa que marca a passagem do Trópico de Capricórnio pela estrada.

Depois de Moji, a partir de Salesópolis, a estrada segue cortando a Mata Atlântica numa pedalada tranqüila pela região onde fica a nascente do Rio Tietê. Passei a noite em um posto na beira da estrada, enrolado em meu saco de dormir. A estrada que vem de Salesópolis termina no topo da Serra do Mar. Iniciei a descida da serra pela Rodovia Tamoios com destino a Caraguatatuba.

Descendo a Serra do Mar com destino a Caraguatatuba

De Caraguá foram mais cinqüenta quilômetros até Ubatuba pela Rio-Santos, considerada umas das estradas mais bonitas da costa brasileira pelas paisagens e vistas para o mar. A histórica Ubatuba está localizada nas encostas da Serra do Mar e da bem preservada Mata Atlântica no estado de São Paulo. Ubatuba, próximo ao trópico, é a primeira cidade da América do Sul a receber a luz do sol, já Antofagasta no Chile é a última. UBATUBA - Cheguei em Ubatuba no início de uma tarde nublada do dia 21 de março de 2003 e terminei em frente ao monumento ao Trópico de Capricórnio, com exatamente dois meses de viagem. O monumento, que tem a forma de uma rosa dos ventos, fica entre a pista do aeroporto da cidade e a Praia do Itaguá.

Como é fantástico, quase inacreditável pensar que a oeste, nesta mesma latitude de onde está posicionado este monumento em Ubatuba, também situa-se aquele "monolito" próximo a Antofagasta.

São milhares de quilômetros e muitos contrastes geográficos vencidos, possibilitando a união do Oceano Pacífico ao Atlântico pelo Trópico de Capricórnio, atravessando o continente sul-americano. Existe melhor meio de transporte, econômico e saudável do que a bicicleta para se viajar e conhecer uma região?

Monumento ao Trópico de Capricórnio a beira do Oceano Atlântico e fim de viagem em Ubatuba

O "Ciclotrópico Capricórnio" contou com o co-patrocínio da Starshine, Houston Bike e apoio da Easy Rider Viagens, Alforjes Arara Una e Agfa Gevaert. Para maiores informações sobre o "Ciclotrópico Capricórnio" e as palestras que o cicloturista ministra para universidades e empresas acesse o site www.zander.com.br ou entre em contato pelo telefone (11) 3044-5103 / 9804-7013 ou Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo." target="_blank"> Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.


Fábio Zander - 26 anos, cicloturista/palestrante. Paulistano, pratica o cicloturismo desde 1993.