Serras Gaúchas: Expedição Bike Tchê!

A aventura que eu tenho para contar é um tanto quanto simples, isto é, algo que qualquer pessoa com um pouco de preparo físico, uma bicicleta, uma filmadora e uma idéia na cabeça é capaz de fazer. Trata-se da expedição BIKE TCHÊ! Esta viagem tratava-se de conhecer mais a fundo a tão bela serra gaúcha, só que ao invés de fazer a serra de carro, eu encarei fazer de bicicleta. Saí de Curitiba à noite, em pleno auge do inverno sul brasileiro. Digamos que a aventura começou na rodoviária, pois a companhia de ônibus não queria embarcar a bicicleta alegando que ela não estava encaixotada. Isso porque, no dia anterior, um outro funcionário desta mesma companhia me disse que não havia problema.

Canyon Fortaleza

A briga entre eu o motorista do ônibus durou uns 15 minutos e a gente (eu e o "simpático" motorista) se controlando para não descer o nível da conversa, pois o ônibus estava atrasado para sair e eu ainda não tinha conseguido embarcar a bike. Resultado: consegui fazer a bike entrar no bagageiro (olhem só... estava vazio!!!) e o maledeto ainda me cobrou R$20,00 por excesso de bagagem, pode? Francamente...

Cachoeira do Tigre Preto, Canyon Fortaleza

Bem, após sete horas de viagem, cheguei em Vacaria (RS). Ainda estava noite (era umas 5:20h) e estava um frio enoooooorme... Na faixa de 0° C, acho!

Tratei de arrumar todo o equipamento na bike (alforjes, bolsas, garrafas, pochete de guidão, ciclocomputador, barraca, entre outras coisas, totalizando uns 25kg de bagagem) e saí pedalando. Parei no primeiro posto de gasolina para comprar água e tomar meu café-da-manhã.

Os caminhoneiros ficaram abismados por eu estar pedalando naquele frio, indo para um lugar no meio do nada! Perguntavam se eu não queria uma carona eu logicamente respondia que não!

"Tem louco pra tudo hoje em dia" - falavam eles! E lá fui eu em direção a Bom Jesus!!!

Entrada do Parque Nacional da Serra Geral

Este trechinho é duro, porque tem uns 40 km que são só subida! É aquela subida que não acaba nunca. E eu com aquele pensamento ingênuo "depois de uma subida, tem uma descida"... Mera ilusão!!!! E o detalhe ainda é que desses 65 km, uns 35 km são de estrada de chão... Terra batida. Meus deuses...

Chegando em Bom Jesus, tratei de procurar a casa de uma tia que mora por lá e resolvi passar a noite, já que não havia dormido nada na viagem de Curitiba para Vacaria de ônibus.

Por-do-sol no Fortaleza

No dia seguinte, segui para Cambará do Sul, também com alguns trechos de asfalto. Este trecho também não foi tão fácil. Muita subida, nas quais às vezes tinha que descer da bike para ir empurrando. Detalhe que por onde eu passava, vilarejos e fazendas, o pessoal acenava e desejava boa sorte! Legal isso... Dava mais ânimo!

Eu também contribuía com um sinal de positivo e às vezes eu parava para filmar ou fotografar o povo local. Esse esquema com a filmadora foi muito interessante, porque em determinadas descidas eu a amarrava no capacete com algumas tiras de velcro e seguia na boa, registrando as descidas na maior velocidade. Isso facilitou porque a filmadora era bem pequena, do padrão mini-DV (digital).

Chegando em Cambará do Sul, resolvi dormir numa pousada, porque cheguei muito tarde na cidade. Já estava escurecendo e não queria arriscar a viagem, já que o trecho de Cambará até o Parque da Serra Geral tem uns 22 km de estrada de terra.

Acampamento selvagem no Fortaleza

No dia seguinte, lá estava eu, cheio de gás e vontade de chegar de uma vez ao parque. O Parque da Serra Geral comporta vários canyons. Os mais famosos são: Itaimbezinho, Fortaleza, Malacara, Churriado e Coroados. Todos alucinantes para se desbravar!

Canyon Fortaleza

Os canyons são de rara beleza, chegando a uma profundidade de mais de 1.500 metros, sendo superado apenas pelo Grand Canyon, nos EUA.

Fiquei acampado por 4 noites no Canyon Fortaleza, um dos maiores da região! Fazia de tudo... Cozinhava, lavava roupa e tomava banho (de gato!) no rio com águas cristalinas porém geladas a beça. Lá, explorei cada morro, cada tufo de mato, andei com a bike para cima e para baixo, registrando tudo em foto e vídeo. Conheci muita coisa por lá, muito mais rápido que a pé, óbvio.

Durante esses dias, o frio foi passando, dando lugar a um gostoso calorzinho de 20°C à tarde. Só que quando chegava noite, o frio apertava e não tinha quem me tirasse do saco de dormir.

Canyon do Itaimbezinho

Durante a noite era tranqüilo até quando os graxains (animal típico da região, semelhante a um cachorro-do-mato) vinha me perturbar na barraca. Ele vinha por causa do cheiro da comida que eu fazia e toda noite era a mesma coisa: quando terminava de cozinhar passavam-se alguns minutos e lá vinha o bicho.

Nessas horas eu empunhava meu canivete (meio como uma faca) e ficava pronto para qualquer coisa, mas o bicho só ficava rodeando.

Era engraçado, porque quando ele chegava perto da barraca, eu dava um grito do tipo "IÁÁÁÁÁÁÁÁ" e o bicho se afastava. Ficávamos nessa durante uma hora, por três noites!

Os dias foram passando, a barba crescendo e eu com síndrome de "Tom Hanks-perdido-na-ilha-deserta-conversando-com-a-bola", só que ao invés da bola, era a bike.

Em direção ao canyons gaúchos, 6h da manhã

Eu sozinho... No meio do nada! Hehehe.... Levei o livro "Na Natureza Selavagem", o que deixava as coisas mais tenebrosas ainda.

Durante o dia eu saía para pedalar pelos canyons e só voltava no início da noite. Acordava por volta das 6:00h e ia dormir às 9:00h, depois da janta, da briga com o cachorro-do-mato e da leitura. No começo eu acordava de hora em hora, mas depois da segunda noite, dormia que nem uma pedra.

É possível visitar toda região de carro, mas os melhores lugares só chegando a pé ou então de bike, já que nas trilhas é proibido o uso de motos ou jipes.

O único parque que tem uma infraestrutura é o Itaimbezinho, mas cobra (e bem!) por isso. Lá, não se tem liberdade alguma. Não se pode acampar, nem andar por trilhas demarcadas sem o acompanhamento de um guia local, que também cobra por isso. O resto dos canyons não tem nenhuma infraestrutura, apenas no Fortaleza há uma casa do pessoal do IBAMA que controla quem entra e quem sai do parque. No Malacara, tem que andar por uma propriedade particular. Nos demais, não sei porque não fui. O Fortaleza, onde fiquei mais tempo é particularmente o mais legal. As trilhas são fáceis, mas não é todo mundo que vai nos melhores lugares para se ver o Canyon. Em alguns casos, o acesso é muito complicado até a pé, imagine de bike então... Tendo que levar nas costas!

Cachoeira das Andorinhas, Canyon do Itaimbezinho

A bicicleta não apresentou nenhum problema. Agüentou firme e forte toda a jornada. Só precisa de um óleo e pronto. Peguei dois dias de chuva, um quando estava acampando e outro na volta de Bom Jesus para Vacaria. Neste último, a chuva engrossou tanto que durante a pedalada, dava umas rajadas de vento que quase me derrubavam da bike. Os equipamentos de vídeo e foto estavam todos enrolados em diversos sacos plásticos, para não dar nenhum problema. O que me salvou nessa hora foram os anoraks (calça e casaco). A bota não conseguiu resistir tanto, e quando eu cheguei na rodoviária em Vacaria em baixo de muita água, tive que tirar tudo que estava molhado, dar uma torcida na roupa que estava úmida, achar algo meio seco e ensacar o que estava molhado. O detalhe é que foi no meio do escuro, porque devido a tanta chuva, momentos depois de eu ter chegado na rodoviária caiu um raio que apagou a cidade toda, e assim ficou por horas.

O ônibus saiu e a cidade continuava no breu. Desta vez a bike embarcou sem problemas... O motorista foi bem simpático e eu não tive que pagar os R$20,00 de excesso.

Esta minha aventura durou pouco mais de uma semana, tempo suficiente para renovar o espírito e partir para outra em breve. Aconselho qualquer pessoa a fazer algo semelhante, claro que com responsabilidade e com um bom equipamento.

Outra visão do Canyon do Itaimbezinho

Se meter no mato sem o conhecimento de outras pessoas pode ser a maior roubada. No meu caso, familiares estavam avisados de todos os meus movimentos durante os dias que se passaram.

Por lá, não há comunicação nenhuma. Nos parques não há telefone (salvo no Itaimbezinho) e celular não pega (eu levei o meu e era triste conseguir um sinal).

 

 

O roteiro de ida foi simples (o roteiro de volta foi igual, só que ao inverso): Curitiba (PR) > Vacaria (RS) - (ônibus - 700 km aprox.); Vacaria (RS) > Bom Jesus (RS) - (bike - 65 km aprox.); Bom Jesus (RS) > Cambará do Sul (RS) - (bike - 85 km aprox.); Cambará do Sul (RS) > Parque da Serra Geral (RS/SC) - (bike - 22 km aprox.)


Marcelo Araujo - Curitibano, é designer multimídia e aventureiro de final de semana. Tem 27 anos, 3 de bike, 3 de pára-quedismo e 8 de mergulho. Já fez trabalhos para outros aventureiros, como Marcelo Ramos (Expedição Fordventure) e Gérard Moss (Projeto Asas do Vento). Contatos: www.ideiaecriacao.com.br