Cicloturismo pelo rio Tietê

CICLOTURISMO PELO RIO TIETÊ “Tietê esse rio é dez”

Hiroto bebendo água na nascente

O Rio Tietê nasce cristalino na serra de Salesópolis a 1027m de altitude e “morre” em São Paulo por causa da poluição. Mas teima que quer viver e inicia a revitalização na altura de Cabreúva. Fica limpo na Barra Bonita a aproximadamente 450km da nascente e daí para frente o rio mostra só alegria e beleza até a foz na cidade de Itapura a 318m de altitude, onde deságua no Rio Paraná, divisa com Mato Grosso do Sul. Conhecido como “Rio Teimoso”, pois a menos de 25km da nascente fica o município de São Sebastião no litoral paulista. Ao invés de descer a serra e desaguar na praia, o Tietê escolheu o caminho mais difícil, passar por São Paulo e cruzar literalmente todo o interior do estado com seus 1136km de extensão. A alegria, a importância e a insistência em viver desse rio fazem qualquer cicloturista superar as dificuldades que encontra pelo caminho.

Helena e Hiroto levando 13  e 24kg de bagagem, respectivamente

Iniciamos a nossa pedalada no parque da nascente localizado em Salesópolis. Lá bebemos água da nascente e visitamos o museu com várias fotos e lembranças do Tietê. Curiosamente encontramos Denis Ferraz, defensor e conhecedor do Rio Tietê e autor do livro “Tietê – Imagens que o Brasil não vê”. Esse foi justamente o livro que tinha lido para obter mais conhecimento sobre o rio. Com essa coincidência já senti que muita coisa boa aconteceria durante o percurso. A menos de 20km da sua nascente, ao cruzar a ponte antes da cidade de Biritiba Mirim, as águas já estão barrentas. Isso me deixou triste, não sabia que a poluição invadia o rio tão rápido assim.

Limusine-bike

Depois de Mogi das Cruzes partimos em direção à Suzano, enfrentamos chuva e em Poá comemos muitas frutas numa banca na estrada. Em Itaquaquecetuba o rio já está bem poluído, com todo tipo de sujeira boiando na água. Em São Paulo fomos conhecer o Parque Ecológico Tietê. Local de muita beleza, onde as pessoas podem caminhar pedalar, nadar, fazer churrasco e tem até um lago com pedalinhos. Vimos uma bicicleta tipo “limusine” para 4 pessoas, sendo que o último não pedala! Atravessamos a marginal e seguimos em direção à rodovia Castelo Branco. O trânsito estava infernal, com fechadas de veículos mais descuidados que passavam por nós. Esse foi o pior trecho em todo o percurso.

Tietê em São Paulo

Santana de Parnaíba é a cidade onde começa Rota dos Romeiros e a peregrinação do Caminho do Sol, muito conhecido entre os aventureiros. Vale a pena conversar com Sr. Emanuel, proprietário da pousada 1896, profundo conhecer do Rio Tietê. É na pousada dele que se dá início rota “Caminho do Sol”. Segundo ele o leito do rio já foi bastante aprofundado com explosivos para tornar o rio navegável até São Paulo num futuro próximo. Em Santana de Parnaíba pedimos para montar barraca na chácara do Sr. Joaquim e da Dona Patrícia. Ele que é pedreiro, pintor, carpinteiro e jardineiro brinca dizendo que “Serviço e encrenca arranja em qualquer lugar”. Seguimos em direção a Pirapora de Bom Jesus, cidade religiosa, que é muito castigada pela poluição e espuma formada no rio. Essa espuma é causada pela agitação da água e detritos químicos poluentes despejados no rio quando ocorrem as aberturas de comportas da barragem. Possui um forte mau cheiro e segundo as informações prejudica a pintura dos carros.Durante a nossa passagem não havia espumas no rio.

Tietê deixando a marca nas casas em Pirapora de Bom Jesus

Na praça da cidade vimos emocionados, uma fila de crianças, todas alegres recebendo presentes do Papai Noel. Um trabalho bonito da prefeitura local. Aqui um fato interessante acontece, o comércio e o museu ficam fechados durante a semana e só abrem nos finais de semana. Acampamos no Camping Cascata que fica no sentido Cabreúva. Esse camping fica na montanha e o caminho de acesso era tão íngreme que não conseguimos chegar até proximidade do restaurante e área de camping. Tivemos que acampar num gramado ao pé da subida. A Estrada Parque, que contorna o rio e vai de Cabreúva até a Rodovia Marechal Rondom em Itu, é de rara beleza, com muita sombra, pouco carro e sem subida.

Se o rio não fosse poluído ela seria um destino turístico. Tem até ilhas com mata atlântica. No trevo de Marechal Rondom tem uma ilha habitat das garças. Nunca vi tanta garça num só local. Deve ser sinal de peixe.

Habitat das Garças numa ilha em Itú

É o Tietê mostrando vida. O rio Tietê forma lindas cachoeiras na cidade do Salto. Quando chega a época da piracema é possível pescar bastante peixe corumbatá, (mas não é possível comê-los ainda). É preciso deixar num tanque para desintoxicação por aproximadamente 4 meses. Só depois desse período se tornam próprios para consumo. Em Porto Feliz almoçamos no restaurante Belini que é uma casa histórica onde foi antigo ponto alfandegário e por onde passavam os Bandeirantes que usavam o rio para transportar as riquezas da época.

Gruta dos Monções em Porto Feliz

Depois de uma semana pedalando sentimos que conseguiríamos chegar até o fim do percurso que havíamos planejado. Então despachamos os nossos malabikes por correio até a cidade de Itapura, nosso destino final, para diminuir o peso e volume de bagagem. Em Porto Feliz há uma gruta chamada de Gruta dos Monsões, onde existe uma formação rochosa espetacular. É rocha salitrosa, calcário e arenito, apresentando camadas sedimentares intrusivas que esteve submerso há milhões de anos. Nessa cidade, encontra-se também a estátua de Nossa senhora de Lourdes, réplica da imagem existente em Lourdes na França, inaugurada em 1924.

No fundo da foto o pomar de jabuticabeiras com o ciclista Rodrigo

Na cidade de Tietê conversamos com o comerciante Sr. Paladini, e que já fez a rota do Tietê com barco inflável, canoa canadense e lancha.

Nossa aventura saiu em dois jornais da cidade. Conhecemos também um ciclista que apresentou a cidade e nos acompanhou até Laranjal Paulista mostrando rotas alternativas para evitar estradas sem acostamento. Ele nos levou para conhecer um pomar de jabuticabeiras com mais de 150 anos. A família dele nos contou como é a festa mais tradicional da cidade, a festa do divino. Paramos muito até a cidade de Conchas, pois o calor estava insuportável. Essa cidade vive de criação de frango e não tem desemprego. Já em direção a Botucatu encontramos um ciclista que veio de bicicleta barra forte sem marcha, desde o Piauí com destino a Santos e já estava pedalando havia 4 meses.Nos cinco quilômetros de subida da Serra de Botucatu, empurramos a bicicleta o tempo todo sob chuva, e depois fomos até a cidade pedalando contra o vento, esse foi o dia mais cansativo da viagem. Chegamos em Botucatu no dia 24 de Dezembro, já era mais de 20h e para a nossa surpresa não havia água, pois a cidade estava sem energia elétrica. Sem poder tomar banho, a nossa ceia de Natal foi um bolo Pullmann, amendoim com nozes e água da caramanhola.

Praia do rio em Igaraçú do Tietê

No dia seguinte, dia de Natal, no café da manhã que estava incluído na diária da pousada, comemos pão requentado com manteiga, pois a cidade estava toda fechada, inclusive as padarias. Êta dureza!!!

Assim que começamos a descer para atingir a cidade de Igaraçú do Tietê, avistamos o rio largo e bastante limpo com pessoas pescando, nadando, fazendo piquenique e curtindo som. Depois de passar mais de 450km só vendo poluição, essa imagem foi demais!

Entardecer em Barra Bonita

A alegria do povo é tão bonita que a gente esquece qualquer dificuldade. Muitas pessoas quiseram saber mais sobre a nossa aventura. O rio fica limpo por causa da barragem de Barra Bonita que faz a decantação das impurezas e também porque muitos afluentes trazem água limpa nessa região.

A esquerda o navio San Diego e à direita o navio San Marino em Barra Bonita

Próximo da ponte de concreto, o pescador chega a pegar até 100kg de tilápia e vende a R$0,90/kg. Do outro lado do rio fica a cidade de Barra Bonita, que tem ótima estrutura turística, com a natureza a seu favor. É possível fazer passeios de barco passando pela eclusa na barragem. Nas margens do rio há lugar para caminhada, campo de futebol, parquinho para crianças, campo de basquete, pista de skate, teleférico, lanchonetes, feiras de artesanatos e até competição de som de carro. Possui até estacionamento para carros que vem rebocando barco com rampas adequadas para colocar o barco na água.

 

Vista do porto intermodal em Pederneiras

Em Pederneiras fomos conhecer o Porto Intermodal onde se encontram as cargas fluviais, ferroviárias e rodoviárias. Os grãos de soja que vêm pelo Tietê do Mato Grosso via embarcação chata de 150ton são transferidos para vagões ferroviários e seguem até o porto de Santos para serem exportados. Em Itajú não há pousada nem camping. Fomos abrigados por uma família simples, mas de coração muito amável. Lá mora Sr. Antônio, artesão que faz esculturas diversas, sendo o carro de boi a sua especialidade. Segundo ele, está difícil encontrar pinus e cedro hoje em dia.

 Embarcação chata chegando para eclusagem em Bariri

Em Bariri tivemos oportunidade de ver a eclusagem de uma embarcação chata de carga descendo a barragem. São aproximadamente 30 minutos para completar a travessia. Neste local era proibido parar, mas de bicicleta dá-se um jeito. Fomos entrevistados ao vivo na rádio Ibitinga no dia seguinte. Conhecemos até o prefeito. Passamos momentos agradáveis na pizzaria com toda família do sr. Herculano, nosso anfitrião. Além de pagar o jantar, ele nos ofereceu para nos hospedarmos em sua casa. Conheci o Rio Jacaré–Pepira, que vem de Brotas e deságua no rio Tietê, muito conhecido pela sua beleza além de ter fama de ser o rio mais limpo do estado de São Paulo.

Entrevista ne Rádio Ibitinga com Rock de Rosa

Passamos por Borborema e Novo Horizonte. Em Sales o Sr. Lino nos convidou para churrasco e passar a noite com toda a família que estava reunida para reveillon, e lá tomamos banho no rio Cervo, um rio imenso e limpo que é afluente do rio Tietê. Vimos muitas maritacas fazendo um verdadeiro barulho na árvore. Nunca vimos tantas maritacas juntas e por isso ficamos um bom tempo apreciando. De balsa atravessamos o Rio Tietê até a cidade de Sabino. A surpresa foi que o cobrador da balsa sabia falar japonês e acabamos, eu e ele, cantando “Kanpai” música japonesa durante a travessia. Isso foi demais para mim. Depois de passar pela barragem de Promissão sentido Ubarana, a chuva forte nos castigou e acabou escurecendo, o que nos obrigou a montar a barraca e fazer camping selvagem. Isso aconteceu na noite do dia 31 de Dezembro. Que Reveillon legal!!! Sozinhos no meio do mato. São coisas de cicloturista.Nunca vi cidade com tanta bicicleta como Ubarana. É preciso tomar cuidado para não bater. Vi até uma senhora de terceira idade de triciclo. Em Buritama aproveitamos para secar a barraca no hotel.

Abrigos de pescadores em Novo Horizonte

Conhecemos um construtor de casas que apesar de possuir carro, prefere andar de bicicleta. Ele nos guiou até a praia de Buritama que tem toda a estrutura turística e fica a aproximadamente 8km da cidade. Segundo ele, que é mergulhador do Rio Tietê, na cidade de Itapura a visibilidade chega até 8m na época boa de setembro.

40 por hora - em Buritama

Um pouco mais adiante tem um vilarejo de pescadores. Acertamos uma viagem de barco com 1h15 de duração até a ponte de Araçatuba. Enquanto o pescador preparava o barco fomos almoçar no restaurante Ponte Nova, cujos proprietários, por coincidência, eram de Salesópolis, cidade nascente do Rio Tietê. Eles ficaram encantados com a nossa viagem e ofereceram um “pratão” de peixe frito com mandioca. Foi demais. Uma delícia de porquinho, peixe pescado no rio Tietê. Eles chamaram toda a família para nos conhecer. Conversamos muito. O almoço foi oferta da casa em homenagem à nossa aventura. Muitíssimo obrigado !!! Depois ainda nos ofereceram manga para levar na viagem.

Navegando pelo Tietê de Buritama à Araçatuba

Ver o Rio Tietê de dentro para fora andando de barco é uma outra sensação muito especial. É pura natureza, coisa linda. Muitos pássaros, biguá pegando peixes, gente de barco pescando. Alguns acampando numa pequena ilha para pescaria. O nosso barqueiro bebeu água do rio. Segundo ele não tem problema nenhum. Eu coloquei água na boca, mas não bebi não. “Ainda não”. Ele pesca diariamente de 100 a 150kg de peixe por dia e a partir de março leva o barco de carro até o Rio Paraná para pegar de 300 a 500kg de peixe, pois de novembro a fevereiro a pesca é proibida aqui. Muitas multas que os pescadores recebem da fiscalização são pagas soltando alevino no rio.

Helena, Hiroto, Selma (BANDATUR) e Oscar (Roda Livre) em Araçatuba

Da ponte de Araçatuba até a cidade de Araçatuba são 16km de estrada sem acostamento, onde havia acostamento estava em precárias condições. Em Araçatuba conheci praia de areia e praia gramada, além de finalmente beber a água do rio Tietê. Oscar da Roda Livre nos presenteou camisas de ciclista e chamou a Rádio Clube FM para darmos entrevista. Pudemos também agradecer a BANDATUR (Banco de Dados de Turismo do Baixo Tietê) que nos ajudou fornecendo imagens turísticas da região de Araçatuba, antes de iniciarmos a nossa viagem. Choveu muito no fim da tarde. Como a chuva parecia não parar, colocamos as nossas bikes na Kombi da Roda Livre para levar até o hotel.Araçatuba tem lençol freático de qualidade, e a água que se retira dessa fonte é uma das 5 melhores do mundo. No dia seguinte partimos para Auriflama, a cidade da lingerie.

Imensidão do Rio Tietê em Araçatuba

Como saímos tarde, a nossa preocupação era se conseguiríamos chegar. Anoiteceu e como só tínhamos um farol dianteiro e uma lanterna traseira, eu ia na frente com o farol iluminando o caminho e a Helena vinha atrás com a lanterna traseira sinalizando para os carros que vinham por trás. Conseguimos chegar já era mais de 22h. No dia seguinte completamos 1.000km de viagem. No caminho tivemos que pedir abrigo numa fazenda por causa da chuva forte que vinha. Muito prestativo, o dono nos deu manga (Keite e Haden). Em Pereira Barreto tem um canal artificial que foi construído para desviar água do Tietê para regulagem de fluxo da barragem de Ilha Solteira. É navegável e tem até competição de natação ali.

Mato Grosso do Sul ao fundo, onde Rio Tietê deságua em Rio Paraná

Novamente amanheceu chovendo, e acabamos saindo tarde com destino a Itapura. A metade da cidade ficou submersa por causa da construção da represa e isso atrai mergulhadores para essa região. A profundidade pode chegar até 40m. Quando chegamos em Itapura, a última cidade da viagem, o odômetro marcava 1081km percorridos. Nadei na praia de Itapura, e olha que só de imaginar que está nadando no rio Tietê, já é uma delícia. Por não ter como chegar pedalando fomos de barco desde praia de Itapura até a foz do rio Tietê, onde ele se encontra com o rio Paraná. Fiquei contente em ver que o rio Tietê é mais limpo que o rio Paraná. Bem aqui na foz e também onde termina nossa aventura, sem nenhuma dúvida, bebi a água do Tietê.Guardamos a bike em mala bike e voltamos de ônibus. Ônibus nessa cidade é outro problema. Precisamos pegar circular até a cidade de Ilha Solteira para depois ir até São José do Rio Preto e depois até São José dos campos. Essa é uma outra aventura. Agradeço a Deus por permitir essa aventura com saúde e sem acidentes, agradeço a minha esposa e companheira que conseguiu terminar a viagem junto comigo, apesar de achar que não conseguiria terminar. Agradeço especialmente a todos que direta ou indiretamente nos colaboraram para o sucesso dessa pedalada. Vocês foram demais. Muito Obrigado. E é por causa de tudo isso que eu chamo de “Tietê, esse rio é dez”. E que “Tietezão”!

Hiroto bebendo água do Tietê na foz em Itapura

NÚMEROS DA VIAGEM:

  • Distância total: 1081 km
  • Número de dias da viagem: 21 dias
  • Distância média diária percorrida: 50 km
  • Velocidade média: 12 km/ h
  • Números de pneus furados: 13 vezes, jogamos 2 câmaras de ar.
  • Peso das bagagens: Hiroto com 24 Kg e Helena com 13 Kg.
  • Gastos: R$60,00 média diária. Exceto passagens de ônibus.

DICAS:

  • Melhor época para pedalar é no período de entre safra da cana de açúcar, Dezembro a Março, para evitar treminhão (Caminhão com reboque transportando cana de açúcar).
  • A cada dois anos a viagem de navio pelo Tietê é prejudicada por causa de manutenção das eclusas que acontece de Janeiro a Fevereiro.
  • Há trechos em que o asfalto é muito judiado, e prejudica bastante o pneu da bike. Cortes pequenos nos pneus são visíveis no fim da viagem.
  • Nos postos de gasolina é comum encontrar água filtrada e gelada para abastecer os caminhoneiros o que ajudou muito nessa viagem.
  • Contato para navio de turismo San Diego e San Marino: (14) 3641-2422 Barra Bonita. www.barrabonitasp.com.br
  • Contato para navio Xumbury: (14) 3642-1588 – Barra Bonita www.xumbury.com.br

Hiroto Hayashi (50 anos, Engenheiro Mecânico) é cicloturista desde 2002. Helena Keico Hayashi (49 anos, Enfermeira) é cicloturista desde 2004. Já percorreram diversas rotas de bicicleta partindo de São José dos campos. Dentre as viagens destacam-se principalmente Estrada Rio-Santos (400km) e rota do Rio Tietê (1.000km). Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.