Cicloturismo na Estrada Real: Uma bicicleta, uma lata e muitas imagens

  1. Introdução
  2. A Estrada Real
  3. Caminho para o Distrito Diamantino - Diamantina a Ouro Preto
  4. Povoado do Vau
  5. Cachoeira do Tabuleiro e Serra do Cipó
  6. Caminho Velho - Ouro Preto a Paraty
  7. Tiradentes
  8. Serra do Quebra-Cangalha
  9. Dicas e como chegar

Walter Magalhães, do Clube do Cicloturismo, descreve a viagem pela Estrada Real de bicicleta e a fotografia com câmera de latinha. Confira!

Desde 1997 venho desenvolvendo o Projeto Viagens, que consiste em realizar expedições de cicloturismo em diversos lugares, seja no Brasil ou no exterior. Após retornar de cada expedição, o objetivo do projeto é divulgar e incentivar o cicloturismo através de exposições fotográficas e palestras.

A expedição “UMA BICICLETA, UMA LATA E MUITAS IMAGENS” completa a 3a etapa do Projeto Viagens. Após um ano planejando, fazendo contato com patrocinadores, elaborando o roteiro e preparando equipamentos, nos meses de julho e agosto de 2004, realizei o sonho de percorrer de bicicleta uma das mais importantes rotas da história do nosso país - a Estrada Real.

Um dos desafios dessa aventura está na maneira escolhida para registrar todo o seu percurso. Decidi utilizar diversos recursos de mídia, desde a forma mais primitiva ou rústica até a mais moderna. Por isso, parti para essa expedição com uma câmara fotográfica convencional, uma câmara fotográfica digital, uma filmadora digital Mini-DV e, por fim, uma câmara fotográfica rústica feita com uma lata de tinta, processo esse conhecido como PIN-HOLE ou CÂMARA ESCURA. Essa forma inusitada de registrar uma viagem, explica o porque de “UMA LATA E MUITAS IMAGENS” no nome da minha expedição.

Um outro objetivo da expedição foi realizar palestras em escolas e universidades, e despertar nas pessoas a curiosidade pela arte da fotografia e seu princípio através da técnica do PIN-HOLE. Realizar entrevistas com historiadores, pesquisadores e possíveis personagens de algumas localidades por onde passasse.

No percurso entre as cidades de Diamantina e Mariana, tive a companhia de Daniel Maldonado, um colega que havia acabado de conhecer um mês antes da minha partida para essa viagem.

2 A Estrada Real

Após iniciar minhas pesquisas sobre a busca do ouro e do diamante pelo interior do Brasil, descobri que a trilha, como eu costumava escutar, era na verdade conhecida há muito tempo como Estrada Real.

Foram caminhos abertos e percorridos em busca do ouro e diamantes no interior do Brasil nos séculos XVII e XVIII pela Coroa Portuguesa, escravos, índios, bandeirantes, aventureiros, tropeiros.

A Estrada Real possui três caminhos principais: - o “Caminho Velho” que compreende o percurso entre as cidades de Paraty e Ouro Preto.

O “Caminho para o Distrito Diamantino” que liga as cidades de Ouro Preto a Diamantina e o “Caminho Novo” que foi criado para facilitar a transposição da Serra do Mar ligando o Rio de Janeiro a Ouro Preto (MG).

Esses eram os caminhos oficiais de acesso ás minas de ouro e de diamantes na região de Minas Gerais. Pessoas e todo o tipo de mercadoria tinham obrigatoriamente que circular por esses caminhos, sendo considerado crime de lesa-majestade a abertura de caminhos alternativos.

Existia também um quarto caminho, o “Caminho da Bahia”, cujas referências são poucas para se determinar quando surgiu e qual grupo o abriu.

A minha aventura, em pleno século XXI, foi fazer o Caminho para o Distrito Diamantino e o Caminho Velho, pesquisar, descobrir e conhecer de perto um pouco mais da nossa história.

Para realizar esse trabalho, percorri os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, completando um pouco mais de 1.000km pedalados entre Diamantina (MG) e Parati (RJ).

3 Caminho para o Distrito Diamantino - Diamantina a Ouro Preto

 

Diamantina, em Minas Gerais, é uma cidade que resguarda muito da nossa história e cultura. Já à primeira vista encanta pela arquitetura colonial, pelo calçamento antigo, seus becos e pela paisagem da região.

Algo misterioso parece estar no ar. Uma sensação de voltar no tempo ou de imaginar como seria a época em que era conhecida apenas como Arraial do Tijuco, no início do século XVIII. Ficamos quatro dias na cidade procurando vivenciar e aprender o que fosse possível em tão pouco tempo, tudo o que envolveu a Estrada Real.

Conhecemos a vila operária de Biribiri, de estilo inglês, onde havia no local a Companhia Industrial de Estamparia. A caminho da vila é possível tomar banho nas cascatas da Sentinela e do Cristal. Para fazer o percurso de bike vá bem cedo, pois o trajeto oferece algumas dificuldades com subidas, trechos de areia e cascalho.

Com o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco, a bela Diamantina foi escolhida como nosso ponto de partida nessa aventura fotográfica pela Estrada Real. Uma aventura de sonhos, histórias e de muitas descobertas rumo a Paraty.

No domingo, um dia antes da nossa partida, vários cicloturistas chegavam de sua aventura. Viajantes exaustos e sujos pela poeira da estrada, mas com espírito realizado, cheio de emoções e histórias para contar.

Na segunda-feira pela manhã já na praça da cidade, tiramos algumas fotografias e seguimos para nosso primeiro dia de viagem com destino a São Gonçalo do Rio das Pedras. Saímos com algum atraso, por volta das 11h e com o céu já carregado de nuvens cinzentas. Sentimos a incômoda presença da chuva.

Nos primeiros quilômetros já foi possível sentir o peso da bagagem num percurso que tinha um certo grau de dificuldade. A paisagem com vegetação típica do cerrado e com a presença de muito quartzo me encantava a cada quilômetro pedalado. Os veículos eram raros e somente o barulho do vento e dos pneus na estrada quebravam o silêncio. O Daniel se mostrava emocionado por estar ali e as paradas para fotografias eram inevitáveis.

Após uns 10 km, chegamos a uma descida brusca de 2,5 km que nos levou até o Ribeirão do Inferno e que em seguida tivemos que encarar uma subida muito forte de 3 km. Seria como imaginar um “V” para se ter uma idéia de como o relevo é acidentado. O Ribeirão do Inferno possui esse nome por causa de um acidente que ocorreu na época dos escravos.

Próximo ao ribeirão havia uma mina com cerca de 150 escravos trabalhando na mineração do diamante, quando a serra veio abaixo deixando todos presos lá dentro. O local é conhecido como Portão de Ferro.

4 Povoado do Vau

Mais tarde após pedalarmos por terrenos menos acidentados passamos pelo povoado de Vau, um arraial bucólico, de pessoas simples e atenciosas, situado às margens do rio Jequitinhonha. No final da tarde estávamos em S. Gonçalo do Rio das Pedras e nos hospedamos na pousada e venda do Ademil, um senhor muito simpático, cheio de histórias e lendas para contar.

Depois de um banho quente com água aquecida por serpentina no fogão à lenha e alguns minutos numa soneca relaxante, fomos para a venda onde a esposa do Sr. Ademil nos preparou um delicioso jantar. De sobremesa comemos doce de abóbora e doce de leite, e experimentamos o licor de guabiroba feito pelo Sr. Ademil. Uma delícia!

Deixamos a tranqüila S. Gonçalo do Rio das Pedras e seguimos pela Estrada Real numa paisagem de tirar o fôlego, já com uma descida forte onde foi preciso utilizar bem os freios. Em seguida foi preciso encarar uma bela subida onde tive que descer da bike e empurrar para não morrer ali mesmo.

Quando cheguei no topo parei juntamente com o Daniel e ficamos observando a vista panorâmica da região. Um local ermo, com pouquíssimas pessoas cruzando o nosso caminho. Esse momento me levou à reflexão de como teriam sido as primeiras expedições para se chegar ao centro do país.

Milho Verde é praticamente uma fileira de casas à beira da estrada de terra, com pouquíssimas ruas secundárias. E o que chama mesmo atenção é a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres do século XVII.

Na saída de Milho Verde para Serro pegamos uma subida curta e bem íngreme de aproximadamente 1,5 km. Uma hora depois chegamos no arraial de Três Barras onde fica a nascente do rio Jequitinhonha. Aqui o rio é considerado um divisor de vegetações. Ao norte a vegetação típica de cerrado e com grandes formações de quartzo, também típicas na região de Diamantina. Após o rio em direção ao sul, a vegetação se torna típica de mata atlântica.

Já Serro, uma cidade que preserva a construção de sobrados do século XVIII cujo nome era Vila do Príncipe, impressiona pela quantidade de igrejas. A Igreja de Santa Rita construída no século XVIII no alto de uma longa escadaria é a que mais chama atenção de quem chega ao centro histórico.

Seguimos pela MG-010 que liga Serro a Conceição do Mato Dentro, uma rodovia de terra com tráfego de ônibus, caminhões e veículos que ao passarem por nós em alta velocidade deixavam uma densa camada de poeira suspensa no ar por um bom tempo. Depois de Itapanhoacanga as subidas são longas e em muitos trechos surgem as incômodas “costelas de vaca” e areia fofa, dificultando um pouco mais a pedalada.

Naquela noite acampamos no único bar que existe na estrada, o “Bar do Dé”, bem no meio do percurso, e recebemos mais uma vez o carinho e a hospitalidade do povo mineiro.

5 Cachoeira do Tabuleiro e Serra do Cipó

Em Conceição do Mato Dentro, fomos conhecer a Cachoeira do Tabuleiro, a maior de Minas Gerais e a terceira maior do Brasil com seus 273 metros de queda livre, localizada no povoado do Tabuleiro. Demos um descanso para as bicicletas e fizemos uma trilha até o alto de uma montanha onde ficamos de frente para a cachoeira.

Um visual maravilhoso! Imperdível! Devido ao mau tempo nesse dia, não pudemos fazer a trilha que leva até a base da cachoeira, pois poderia subir o nível do rio por onde passa a trilha, colocando em risco o nosso retorno.

As cidades estão sempre no alto de um morro ou abaixo num vale, indicando sempre que vamos enfrentar uma boa subida na chegada ou na saída em cada uma delas. Em Morro do Pilar não foi diferente. Nosso primeiro dia de viagem com chuva e muitos atoleiros, várias descidas e subidas.

Foram 30 km num dia muito frio onde quase nos perdemos por falta de informação diante de uma bifurcação que surgiu na estrada. A falta de sinalização talvez seja o principal problema para os atuais aventureiros.

Em um ponto da estrada pudemos admirar a grandiosidade do Cânion Bandeirinhas que fica dentro do Parque Estadual da Serra do Cipó. A cada momento nos surpreendíamos com as belezas naturais da região. Por diversas vezes, me vi emocionado e emudecido diante da natureza maravilhosa do lugar.

Mais alguns dias na Estrada Real passamos por Ipoema, a cidade do Tropeiro e chegamos a Bom Jesus do Amparo onde termina a parte de terra da Estrada Real. A partir daí seguimos por asfalto até Barão de Cocais onde se encontra o maravilhoso Parque Natural do Caraça. Realmente um lugar que merece ser visitado.

Apesar de já estarmos a dois dias pedalando pelo asfalto por pura falta de opção, a vista magnífica da Serra do Caraça estava sempre presente até Catas Altas, uma pequena cidade histórica antes de chegar a Mariana.

Em todas a cidades que passei até chegar em Catas Altas, encontrei muitas opções de locais para conhecer. Trilhas para serem feitas de bicicleta, a pé e a cavalo. Belas cachoeiras, cavernas com pinturas rupestres, igrejas históricas dos séculos XIII e XIX, lugares com lendas e histórias dos tempos do Brasil colonial.

Após dias viajando pelo Caminho para o Distrito Diamantino, conhecendo o povo, seus costumes, a história e lugares que antes existiam somente na minha imaginação, chegamos a Mariana e Ouro Preto com a sensação de que o tempo foi curto para se conhecer tantas maravilhas guardadas nessa parte da Estrada Real.

6 Caminho Velho - Ouro Preto a Paraty

Em Mariana e Ouro Preto o Festival de Inverno estava em plena efervescência com várias apresentações de grupos de música, dança e teatro, oficinas e exposições de fotografia e artes plásticas. Apesar de Ouro Preto estar repleta de turistas resolvi ficar mais tempo na região e acabei participando de uma oficina de fotografia.

Conheci pessoas muito legais e que me acolheram com muita hospitalidade, sobretudo em Mariana, onde fiquei hospedado, uma cidade bonita e bem mais tranqüila que sua vizinha Ouro Preto.

Depois de subir os intermináveis 22km que separam as duas cidades, seguindo pela rodovia, cheguei a Ouro Preto e fui logo visitar o Parque Estadual do Itacolomi, um local interessante para ser visitado. Ouro Preto parece ter uma magia especial no ar. Com suas íngremes ladeiras de pedra, becos, casarões históricos e enormes igrejas, realmente encanta seus visitantes.

Pedalando pelo Caminho Velho, segui por uma estrada de asfalto com muitas subidas e descidas logo nos primeiros quilômetros e que até poucos anos atrás ainda era de terra. Meu destino nesse dia era a cidade de Ouro Branco. Foi um dia de superação devido ao calor e às longas subidas de serras dessa região. Ao longo do percurso, a presença de antigas pontes de pedras, paralelas à estrada de asfalto, conduz a imaginação do viajante a um outro tempo da Estrada Real.

Lugares como a Serras de Ouro Branco e Itatiaia, ambas próximas à cidade de Ouro Branco, e picos como do Itacolomi em Ouro Preto e do Itambé próximo a cidade do Serro, serviam de orientação para os antigos viajantes. Hoje são verdadeiros cartões postais, obras da natureza, cheias de histórias e que encantam os olhos dos atuais viajantes.

No Caminho Velho da Estrada Real a maior parte do percurso é feita por asfalto, mas os poucos trechos por terra reservam surpresas. Em Lagoa Dourada uma pessoa que demarcava a Estrada Real me fez uma planilha para evitar a rodovia.

Logo nos primeiros quilômetros, depois de uma descida forte por uma trilha foi preciso desmontar todo o equipamento da bicicleta e ir passando uma bagagem de cada vez, inclusive a bicicleta, por uma ponte improvisada com apenas dois pequenos e finos troncos de árvore, mas que era a única alternativa para transpor um riacho que não constava na planilha.

Foi uma aventura me equilibrar naqueles troncos. Passei por dentro de fazendas, plantações e tive momentos de rara beleza quando um bando de maritacas ficou me sobrevoando com um barulho ensurdecedor.

No final desse dia no alto de um morro fui presenteado com um belo pôr-do-sol, enquanto do outro lado luzes acesas me mostravam cidade de Prados. Sem dúvida, mais um dia com vários momentos emocionantes. Dias como esses me faziam questionar o meu retorno para casa. Dá vontade de continuar na estrada pelo resto da vida.

7 Tiradentes

Para chegar em Tiradentes segui pela serra de São José, um enorme maciço de pedras escarpadas por onde circunda a trilha. Um lugar de beleza singular pela mata quase fechada onde pude ver de perto vários macacos e aves. No ponto mais alto da Serra, o visual encanta qualquer pessoa. No vale logo abaixo, estavam as cidades de Tiradentes e São João Del Rey. Fiquei ali parado quase uma hora contemplando a beleza do lugar antes de descer a serra até Tiradentes.

Após ficar hospedado na fazenda do Sr. Átila Godoy, o pioneiro no projeto de revitalização da Estrada Real, atravessei a represa de Camargo numa pequena balsa acoplada a um trator que no lugar de rodas tinham pás que faziam a propulsão na água. De um lado Caquende e do outro a Capela do Saco. Era um domingo de muito frio e com o tempo ameaçando chover. Após a travessia tomei a estrada em direção a Carrancas numa região quase deserta.

As fazendas pareciam abandonadas e numa bifurcação me perdi. Sem ninguém para dar informações pedalei uns 10km na direção errada. Fui salvo pela Serra de Carrancas ou Cruz das Almas, que também foi mais um ponto importante de referência para os aventureiros do passado e que também me serviu de referência ao perceber que estava me afastando do local em direção oposta. Carrancas é famosa pela grande diversidade de belas cachoeiras que existem ao seu redor.

A minha próxima parada foi na fazenda Traituba. Com mais de 200 anos e construída para hospedar D. Pedro I que praticava a caça de veados na região, é hoje uma referência histórica que vale a pena conhecer.

Entre as cidades de Cruzília e Baependi, conheci um lugar no mínimo curioso conhecido por “cavas”. No alto da montanha a estrada real passa entre barrancos profundos que chegam a ter mais de 5 metros de altura, ficando toda encoberta pelas árvores, dando a impressão de uma passagem secreta. Nesses pontos quase não se vê a luz do sol.

Depois de passar pelas cidades de Caxambu, Pouso Alto, Itanhandú e Passa Quatro cheguei na divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo, num local conhecido como Garganta do Embaú, onde se encontra a imagem de Nossa Senhora da Aparecida. Após mais de um mês de viagem, pude avistar o Vale do Paraíba e me sentir em casa, pois além de estar no estado de São Paulo, tenho familiares em várias cidades da região.

Desci a serra da Mantiqueira preocupado com o trânsito de caminhões e ônibus, e também com a velocidade que a bicicleta toma nessa serra tão íngreme, sendo necessário estar com os freios em bom estado. Felizmente tudo correu bem. Ao passar pela serra da Mantiqueira é possível notar a grande diferença entre a tranqüilidade das cidades turísticas do sul de Minas Gerias e o movimento acelerado das cidades industriais e poluídas do Vale do Paraíba.

Dormi na casa da minha irmã na cidade de Guaratinguetá, que me esperou com um delicioso jantar. Enfim encontrei parte da minha família e já pude contar algumas histórias da minha aventura.

8 Serra do Quebra-Cangalha

No dia seguinte parti bem cedo, pois o desafio agora era subir a Serra do Quebra-Cangalha para chegar à cidade de Cunha. Um dia de muito calor cuja subida dos 17 km de serra foi realizada sem pressa, procurando sempre me manter bem hidratado. Já no alto da serra, num dia maravilhoso de sol pude contemplar novamente o Vale do Paraíba só que agora com vista para a serra da Mantiqueira.

Já em Cunha fui acolhido na casa de parentes que aguardavam ansiosos a minha chegada. Agora somente 41 km me separavam do término da minha aventura. Uma certa ansiedade tomava conta dos meus pensamentos e quase me tirava o sono. Havia chovido no sábado à noite e o dia parecia ter uma temperatura mais amena. Ventava muito e eu queria chegar logo no alto da serra do Mar, bem na divisa dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Depois de longas subidas, muita concentração e de uma parada numa cachoeira a beira da estrada, cheguei até a placa que indica a divisa dos estados. Foi um momento de muita emoção em que fiz uma rápida reflexão de toda a minha viagem. Lembrei-me da minha partida ainda em Diamantina até chegar ali, a poucos quilômetros do meu destino e louco para poder avistar o mar.

Após tirar algumas fotografias do lugar, comecei a descida da serra no único trecho ainda em terra onde poucos carros conseguem passar. De início já senti o intenso calor e a umidade da serra do Mar e mais no final da tarde começou uma chuva fraca. Foi uma descida lenta, com muitas paradas para fotos e poder conversar com algumas pessoas na beira da estrada.

Cheguei em Paraty por uma ciclovia que liga o bairro ao centro da cidade. E logo no começo fui recebido por um casal que pedalava pela ciclovia e que me acompanharam entusiasmados com a minha aventura. Se ofereceram para me hospedar em sua casa, mas gentilmente recusei o convite, pois queria descansar e refletir sobre minha aventura num momento só meu. Exatamente às 18h eu chegava com minha bicicleta no cais do porto de Paraty onde tirei uma fotografia da minha chegada quase no escuro. Estava um pouco cansado, mas emocionado com o que acabava de realizar.

Uma aventura feita com prazer... Percorri os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro completando um pouco mais de 1.000km pedalados entre Diamantina (MG) e Parati (RJ).

Cruzei montanhas, riachos, arraiais, cidades e vilas. Conheci paisagens naturais, monumentos, obras de arte e registros históricos, estradas e trilhas. Descobri olhares e sorrisos na simplicidade e hospitalidade do povo mineiro, na receptividade e calor humano dos paulistas e cariocas. Mais rico que o metal amarelo e diamantes, essas são na verdade nossas maiores riquezas e que a coroa portuguesa não teve como levar do nosso país.

Ao viajar pela Estrada Real, descobri também que viajei por uma “estrada de sonhos” cheia de emoções e desafios, e que está à espera de que outros aventureiros venham descobri-la também.

9 Dicas e como chegar

  • Daniel e Walter - Senhora do Carmo (MG) Crédito: Arquivo pessoal
  • Partindo de São Paulo a Empresa Gontijo (11- 6221-3322), tem ônibus convencional até Diamantina e ônibus convencional e leito até Belo Horizonte.
  • Em Belo Horizonte a Empresa Pássaro Verde (31- 3429-7500),faz a linha até Diamantina em ônibus
    convencional. Consulte o site www.passaroverde.com.br para obter informações sobre preços e horários.
    Em Paraty a Empresa Reunidas faz a linha até São Paulo.
  • Em Diamantina, reserve uma hospedagem e evite a procura depois de uma viagem longa e cansativa.
  • Existem várias pousadas com muitas alternativas de preço ao longo da Estrada Real. As mais acessíveis variam entre R$ 10,00 e R$ 30,00 com café da manhã.
  • Algumas pousadas são centenárias e históricas. É o caso da Pousadas das Vertentes (32- 3363-1311) em Lagoa Dourada que tem 200 anos e a proprietária é parente de Tiradentes.
  • Entre Carrancas e Cruzília está a Fazenda Traituba (35- 3327-1477), foi construída no século XIX para hospedar D. Pedro I. A diária completa custa em média R$ 45,00. Faça reserva com antecedência.
  • Existe camping em algumas localidades, mas os preços são de pousadas simples (R$10,00 – R$15,00).
    Albergue da Juventude em Ouro Preto (31 - 3551-2944 / www.brumasonline.hpg.ig.com.br ).
  • Livros para saber mais sobre a história da Estrada Real:
    Estradas Reais - Márcio Santos.
    De Volta à Estrada Real – Flávio Leão.
  • Na época de verão o forte calor e as chuvas podem dificultar a viagem e algumas estradas podem ficar intransitáveis por causa de atoleiros. Sugiro as estações mais amenas como outono e primavera onde ainda é possível tomar banho nas cachoeiras. Viajei em pleno inverno e acho que fiz uma boa escolha apesar das noites de frio onde as temperaturas caem bastante.
  • Na Represa de Camargos em Caquende, a balsa faz a travessia para Capela do Saco de hora em hora. O único bar-restaurante da Capela do Saco só funciona nos finais de semana.
  • O Instituto Estrada Real está fazendo um bom trabalho para sinalizar toda a Estrada Real. Mas enquanto não é concluído é bom tomar cuidado e estar bem informado para não se perder em algumas bifurcações que surgem nas estradas. Conheci pessoas que se perderam e pedalaram desnecessários 30km.
  • Protetor solar é indispensável em qualquer época do ano e esteja bem abastecido com água para manter-se hidratado. No inverno algumas fontes de reabastecimento (regatos) secam.
  • Em qualquer localidade procure respeitar a população local e seus costumes. Na Fazenda Traituba, recebi reclamações dos proprietários sobre um grupo de cicloturistas da região central do país, que desrespeitaram as normas e não tiveram cuidado com os bens históricos da fazenda. Eles deixaram a infeliz impressão de que todo ciclista terá mesmo comportamento que o deles.
  • Lembre-se: depois de você também viajam outros companheiros cicloturista e é importante deixar uma boa a impressão para não prejudicar os futuros viajantes.
  • Alguns sites interessantes para pesquisa e mais informações:

    www.diamantina.com.br - site de Diamantina para consulta de pousadas, restaurantes, festividades.
    www.ouropreto.com.br - site de Ouro Preto.
    www.descubraminas.com.br -site sobre minas gerais onde é possível encontrar algumas planilhas.
    www.estradareal.org.br - portal do Instituto Estrada Real.
    www.antonioolinto.com.br - no site do Olinto é possível encontrar a altimetria de Ouro Preto - Paraty.
    www.waltermagalhaes.com - contém o diário de viagem, pousadas onde me hospedei e várias fotos.

    * Walter Magalhães: Formado em Administração de Empresas, tecnólogo em Processamento de Dados, fotógrafo free-lance e guia de turismo. Dedica-se a programas ambientais de incentivo a prática do cicloturismo associado à fotografia. Pratica o cicloturismo desde 1991, tendo pedalado mais de 6.000 quilômetros em viagens de bicicleta pelo Brasil, França, Argentina, Chile e Espanha (Caminho de Santiago de Compostela). É colaborador do Clube de Cicloturismo do Brasil. Esta expedição teve o apoio da Adventure Gears, Osiris Equipamentos, Bike Joe, Energy Sport, Revelapar, HB Sunglasses, Mad Signs e Studio Designer.