Cicloturismo: Lazer e aventura

Comecei a praticar cicloviagens não faz muito tempo, porém o suficiente para me apaixonar por essa maneira diferente de usar uma bicicleta. Se tivesse que definir o cicloturismo em poucas palavras, eu diria que é a união de duas atividades que dão grande satisfação: o Ciclismo e o Turismo, ou seja, o prazer de pedalar junto com o prazer de conhecer lugares. Mais simplesmente, basta dizer que é o uso da bicicleta para viajar e fazer, literalmente, turismo. O cicloturismo não é nenhuma novidade no Brasil, é possível encontrar pessoas que já o praticam há mais de 20 anos, mas, apesar de tudo, ainda é encarada como uma atividade um tanto incomum em terras tupiniquins. O cicloturismo é reconhecido como uma modalidade do ciclismo e é uma realidade na Europa, onde se dispõe de estradas exclusivas para essa atividade. São as chamadas "Vias Verdes", onde é possível conhecer vários países sem se desviar de suas rotas. Já no Brasil a realidade é bem outra.

Cicloviajantes ainda são vistos como gente que faz algo "estranho" (prefiro chamar de diferente), há quem os chame de loucos e pense que uma viagem de bicicleta é coisa de "doido". Às vezes os cicloviajantes são comparados até a peregrinos movidos pela fé e sofrimento. Não raro, são questionados se a viagem se trata de alguma promessa, dado o esforço e a dificuldade das mesmas. Ou, de uma maneira mais divertida, diz-se que "tem que ter muita coragem para se fazer algo assim". Bem... Como tudo na vida, inclusive o que dá prazer, a cicloviagem necessita de um certo esforço, mas não necessariamente de sacrifício, e de um pouco de coragem para dar a "largada", porém nada que "simples mortais" não possam fazer. A cicloviagem se torna um prazer para o praticante quando respeitados certos limites. Excessos não são saudáveis e podem se tornar prejudiciais, afinal, cicloviajantes não são "super-homens", são pessoas comuns que resolveram romper com o tradicional e misturar aventura e lazer. Mas a verdade é que viajar de bicicleta só é um lazer desde que considerados alguns fatores como por exemplo, o grau de dificuldade e o preparo do praticante, pois se alguém quiser "se matar em cima da bicicleta", com certeza vai conseguir, caso não respeite seus próprios limites. Ao se planejar uma cicloviagem, uma das primeiras e mais importantes preocupações é a satisfação da realização de todo o projeto. O praticante deve planejar tudo de maneira a iniciar e terminar a viagem com o mínimo de dificuldades, aproveitando ao máximo tudo que ela pode proporcionar. Esse é, senão o principal, um dos principais fatores que devem ser levados em conta ainda no projeto. Vamos conhecer alguns pontos e preocupações comuns aos praticantes dessa modalidade de viagem, e é claro, nossa ferramenta de trabalho, a bicicleta. Comecemos pela mais importante: a bicicleta, a grande vedete nessa modalidade. A não ser que você tenha vindo de outro planeta, sabe o que é uma bicicleta. Já deve ter visto, tocado, pedalado e quem sabe já teve (ou tem) uma zica, magrela, camelo, ou seja lá qual for o nome que ela recebe na sua região, creio assim, que não preciso explicar o que é uma. Para algumas pessoas, (como eu) a bicicleta é a coisa mais maravilhosa que Deus já pôs sobre a face da terra (depois da mulher!), ela existe em todos os cantos do mundo, nos mais variados modelos e para as mais diversas utilidades. Bastante popular em paises como China, caras e de difícil acesso em países árabes, elas fazem parte dos desejos de 11 entre 10 crianças. Quem não desejou ter sua própria bicicleta quando era criança talvez não tenha tido infância!

A bicicleta faz parte do folclore e da cultura de muitos povos e sobre ela existe uma vasta literatura especializa para quem deseja se aprofundar. Totalmente associada ao lazer, a bicicleta que às vezes é chamada de bike, é a razão primeira e fundamental desse tipo de viagem. Nota: Bike é o termo em inglês mais usual para se referir à bicicleta, o correto seria "bicycle". Sem ela nada disso seria possível. Aqui nos ocuparemos do seu uso como meio de transporte, sem pretender entrar em maiores detalhes, apenas esclarecendo algumas preocupações comuns no seu uso ao realizar uma viagem. Pra começar, a escolha da Bike é totalmente pessoal, não existe uma fórmula para a isso, ficando a critério do praticante a escolha do modelo mais adequado. Vemos na prática que a escolha depende muito mais da condição financeira do que da necessidade e praticidade do modelo. No caso de cicloviagens, as preferidas são as MTBs (Mountain Bikes). Devido ao seu aspecto mais rústico e resistente, as MTB são recomendadas para viagens nas (mal conservadas) estradas brasileiras e podem ser encontradas em qualquer loja, até mesmo fora das especializadas em bicicletas como por exemplo lojas de móveis e eletrodomésticos e nas mais variadas faixas de preço. Caso seja usado outro tipo que não seja uma MTB, vale ressaltar que o mais importante é que ela seja resistente e tenha um sistema de troca de marchas, itens extremamente úteis independente do trecho que se vai percorrer, mesmo que seja pelo melhor e mais conservado trecho de asfalto. Uma vez que a bicicleta será usada para percorrer diversos tipos de estradas, pavimentadas ou de chão, trechos curtos ou longos, se faz mister que possa ser adaptada para o transporte da bagagem do viajante, sem prejudicar sua versatilidade e desempenho. O bom senso será o grande guia nessa importante escolha, mas recomendo ao principiante recorrer à orientação de um praticante mais experiente, principalmente quando se trata de seus primeiros contatos com o cicloturismo. Não preciso nem dizer que não se deve confiar cegamente no vendedor, pois ele, como muitos funcionários desse setor, pode ter "papo de vendedor"! Conhecida nossa ferramenta de trabalho, vamos conhecer mais sobre esta modalidade de ciclismo.

Alguns nomes são comumente utilizados para se referir à prática: cicloturismo, cicloviagem e clicloaventura. Todas descrevem a mesma atividade, ou seja, o ato de viajar de bicicleta, mas existem várias peculiaridades na maneira de praticá-la. Uma viagem de bicicleta pode ter finalidade turística, na qual o praticante deseja conhecer lugares, pessoas e paisagens, da mesma maneira que faz um turista convencional, porém utiliza a bicicleta para tal. Ou a meta principal pode ser a locomoção. Como numa viagem tradicional, o praticante sai de um determinado lugar e vai até outro, e não é dada tanta importância aos pontos turísticos ao longo do trecho percorrido. Ou ainda, a atividade pode ser mais vista como um esporte de aventura, na qual o praticante procura por lugares diferentes, pouco freqüentados e por caminhos pouco usuais. Surpresas são uma constante e o praticante tem de estar disposto a improvisar e enfrentar dificuldades a todo momento. A bagagem deve ser minuciosamente planejada e o condicionamento físico pode ser tão importante quanto o equipamento. A pratica do cicloturismo não se trata apenas de pegar uma bicicleta, escolher uma direção e sair por ai pedalando. Tem de se considerar o trecho a ser percorrido, a bagagem, o equipamento, preparo físico e psicológico do praticante. Tudo isso sem esquecer que a escolha de caminhos seguros e repletos de belas paisagens transformam a mais simples viagem num grande acontecimento, uma realização memorável. O que vai te dar grande satisfação podendo inclusive, despertar o interesse de outros cilcloviajantes em conhecer e percorrer o mesmo trecho, incentivar ciclistas tradicionais e até mesmo quem nunca se aventurou em cima de uma "magrela", trazendo mais praticantes para essa atividade ecologicamente correta. Uma vez que você decidiu viajar de bicicleta, a primeira etapa a ser vencida é convencer seus parente e amigos que você não ficou louco. Prepare-se para ouvir aquela sua tia chata dizer coisas como: "Não tem ônibus para ... (seu destino) ?"; "Vai pagar promessa?"; "Ficou doido?" ou "Ai meu Deus... O que está acontecendo com esse garoto???". Vencida essa etapa, vamos ao planejamento da viagem propriamente dita. A boa vontade é o maior estimulante para quem deseja se iniciar e praticar o cicloturismo. Como você já percebeu, certos fatores, desde o inicio do projeto, em maior ou menor grau, podem ser desanimadores, até mesmo para praticantes mais experientes. Mas apenas boa vontade não é combustível suficiente para se realizar uma cicloviagem, é necessário reconhecer e respeitar as dificuldades do trecho a ser percorrido, a praticidade do equipamento que se tem em mãos, e claro, os limites do próprio corpo, o que pode fazer você ganhar o dia e evitar algumas frustrações. É extremamente desagradável descobrir no meio de uma jornada, e quase sempre da pior maneira, que se pegou o caminho errado, que não se está usando o equipamento adequado para aquele trecho e que se está levando bagagem sem nenhuma utilidade, ou o que pode ser ainda pior, que se está fora do condicionamento físico ideal. Saber o momento certo de partir, (com todo o material necessário), reconhecer o momento certo de fazer uma pausa para "recarregar as baterias", diminuir o ritmo, ou até mesmo, saber a hora de parar, também são coisas fundamentais para quem deseja obter o máximo de sua viagem, evitando esforços desnecessários.

Lembre-se que uma das principais características da cicloviagem é o prazer de pedalar associado ao contato com a natureza, aproveitando para observar a beleza da paisagem. Algum esforço é necessário, porém que não seja a ponto de prejudicar o praticante, uma vez que é você quem decide o seu ritmo. O cicloturismo, como qualquer atividade desportiva de lazer não deve ser levada ao extremo, não se trata de uma competição e reconhecer o momento de "pegar leve" é importante. Dependendo do trecho escolhido, o cicloviajante pode, em determinados momentos, estar à própria sorte, em estradas desertas, estâncias longínquas, distante de abrigos e ajuda. Numa cicloviagem talvez se enfrente fenômenos da natureza que não são observados em sua localidade de origem ou situações que não ocorreriam num simples passeio. Como por exemplo: uma falha mecânica quando não se tem em mãos a ferramenta certa para o seu reparo, roupas que não correspondem ao clima local (frio e úmido nas serras do Sul, seco e quente no chão batido do Nordeste), atravessar trechos alagadiços onde o peso da bagagem se torna uma agravante... É importante notar que os praticantes de cicloturismo não estão dando uma "voltinha no parque", nem estão indo "até ali". Um planejamento minucioso antes da partida, com teste e checagem do material a ser empregado, uma boa conversa com quem já percorreu o mesmo trecho, (ainda que de carro ou moto) e a consulta de mapas são de grande valor para quem deseja fazer uma viagem sem "surpresas". O prazer que a viagem de bicicleta proporciona vale todas essas medidas preventivas. Pode parecer estranho ao principiante, mas é comum entre os praticantes, a afirmativa que quanto maior as dificuldades, maior a satisfação que vem depois de sua realização. Quem já concluiu uma cicloviagem onde vivenciou uma verdadeira "aventura" conhece muito bem a satisfação que se sente ao relatar os fatos e mostrar as fotos. Há até quem diga que depois da bicicleta, o item mais importante é a câmera fotográfica!!! Por outro lado, uma cicloviagem na qual se é obrigado a abandonar por motivos técnicos ou pessoais, vai ser o assunto preferido daquela sua tia chata: "Bem que eu avisei..."

Ao planejar uma cicloviagem não se dever relegar coisa alguma a segundo plano, nem mesmo as consideradas banais. Não se deve pensar que nada de errado vai acontecer, ou ter a falsa sensação de estar preparado para o que "der e vier", dizendo que quando surgirem os problemas, vai se tomar a devida atitude. Esse é um grande engano, que pode estragar todo o seu projeto e acabar com a sua diversão. Planeje sua cicloviagem considerando todas as possibilidades, inclusive as mais remotas, aquelas que têm a menor possibilidade de ocorrer. Tudo deve ser levado em conta como se fosse parte da jornada. Mesmo que a sua cicloviagem pareça um "passeio", empenhe-se em todos os detalhe do início ao fim, bem antes da primeira pedalada. Assim você terá bons e grandiosos momentos durante sua viagem, dos quais vai guardar as melhores lembranças. Quando se trata de cicloturismo, a única coisa garantida é que um dia nunca será igual ao outro, portanto, esteja preparado considerando a viagem como um todo. O praticante deve levar em conta também, que por melhor que tenha planejado a sua viagem, haverá sempre novidades, pois cada dia será sempre diferente, e as vezes bem diferentes mesmo, do dia anterior. Assim, quero alertar que se tudo correu muitíssimo bem até aquele ponto, não quer dizer que será assim até o final, felizmente, a recíproca é verdadeira, e se você pegar "vento contra" no início, ainda assim pode terminar sua cicloviagem de maneira esplêndida. Cada dia irá trazer uma novidade, uma experiência nova. Faça com que elas sejam sempre as melhores. Viva e aproveite cada dia. Pelo caminho você irá encontrar pessoas que vão te ajudar e outras que vão te criticar, (como sua tia chata), você irá reconhecer com quem pode contar. Se você conseguiu chegar até aqui, duas coisas são certas: o assunto te interessa e deve estar se perguntando se fazer cicloviagem não é uma forma de "masoquismo" ou "autopunição". Bem... Não se desespere se você é um principiante, você vai com certeza "sair vivo" de sua primeira experiência em cima de uma bike, o importante é tentar e não desistir no primeiro obstáculo, ou como se costuma dizer, "na primeira subidinha" - dependendo do humor de quem diz isso, essa "subidinha" pode ter vários quilômetros... Uma vez que você tenha se iniciado no cicloturismo, dificilmente irá desejar outra coisa na vida, vai até se perguntar "como foi que consegui viver sem isso até hoje?" O contato com a natureza e a sensação de liberdade são indescritíveis e fazem todo o esforço valer a pena, disso eu sou testemunha. Não só pelo prazer de pedalar e conhecer lugares. O cicloturismo pode ser usado como parte de outra atividade, como por exemplo: acampar. Quem pratica camping tem a chance de usar a bicicleta para o transporte e locomoção do equipamento.

De uma certa maneira, o cicloturismo quando praticado dessa forma, pode ser encarado como "camping sobre duas rodas", não raro encontramos praticantes que levam na sua bagagem toda estrutura para montar um acampamento em qualquer tipo de terreno e situação. Para quem deseja sair da rotina e tentar algo novo, o cicloturismo é a melhor escolha. Se você deseja iniciar a prática do cicloturismo, o melhor lugar para se encontrar referências, ajuda e estímulo é na internet. Na Rede Mundial de Computadores você encontra os mais variados tipos de material em sites contendo fatos, fotos e relatos que variam de uma simples pedalada de uma localidade à outra, num percurso plano de apenas algumas horas, levando apenas o básico, e vão até coisas como gente que cruzou diversos paises, durante longos períodos, levando pesada bagagem e enfrentando todo o tipo de intempéries que chegam a desafiar a imaginação. Uma dica é buscar relatos de praticantes que se assemelhem a sua condição atual e que tenham percorrido trecho igual ou bem parecido ao que você deseja pedalar, mesmo que já tenha alguma experiência. Outrossim, me encontro a disposição para o que seja necessário, meu endereço de e-mail se encontra abaixo e você pode (e deve) entrar em contato comigo se assim desejar, sua mensagem será sempre bem vinda. Após ter percorrido mais de 15 mil km, incluindo os três estados do Sul - no caso do RS, mais de uma vez - ter pedalado até o Rio de Janeiro, além de diversas viagens na região que moro, não me imagino viajando de outra maneira que não seja de bicicleta. Pessoas que me conhecem, me convidam para determinados eventos, já considerando o tempo gasto na cicloviagem. Eu não tenho uma "tia chata", mas tem gente que me considera "meio maluco". Porém essa tendência a ser rotulado de "doido" é genérica e atinge qualquer um que pratique um esporte radical e só será superada quando verificada a seriedade e profissionalismo com o qual o praticante idealiza e realiza seus objetivos desde o projeto até a finalização. Uma vez que você dificilmente vai fugir desses "clichês" gostaria de finalizar com a citação de um grande aventureiro inglês, Gilbert Chesterton: "A aventura pode ser louca, mas o aventureiro, para levá-la a cabo, há de ser muito equilibrado". Os cicloviajantes sabem que essa afirmação é verdadeira. Não fiz pesquisa antes de escrever este texto, mas decidi escrever após ler o excelente "Avenida das Américas" de Carlos André Ferreira, "Ciclismo de Estrada" de Bernard Hinault e claro, após ler vários artigos do Site do Clube de Cicloturismo.

Josiel de Assis - locutor, natural do Rio de Janeiro, reside em Blumenau, no Vale do Itajaí em SC. Vice-campeão Master de MTB no município de Indaial em SC. Pratica cicloturismo há cerca de 3 anos. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.