por Bruno de Azevedo -
Quando meus dois amigos pararam, olharam para mim e perguntaram se topava ir com eles, balancei todo e pedi uns dias para dar a resposta. Afinal se o roteiro já não era fácil para eles que já tinham experiência em outras cicloviagens, imagina para mim que nunca tinha viajado pedalando.
Acontece que faço parte daquele grupo de pessoas que não resiste a uma proposta desafiadora. Para desespero da minha família acredito que todos temos que tentar antes de falar que não conseguimos. Então, faltando uns três dias para a saída decidi que iria com eles. O roteiro era puxado para amadores como eu: sairíamos de Florianópolis (SC) numa quinta-feira de manhã, subiríamos até Morro da Igreja (ponto mais alto da região sul) em Urubici, e desceríamos pela Serra do Corvo Branco. A previsão era chegar em Floripa na hora do almoço de segunda-feira. Isso daria uma média de 90 quilômetros por dia numa região em que não faltam subidas!! Mas rapidamente nosso principal medo passou a ser a chuva, pois Floripa tem o pior clima de inverno que conheço.
Na noite anterior à saída choveu o tempo inteiro, mas inacreditavelmente o dia da saída amanheceu com um sol divino que foi nosso companheiro durante toda a viagem. Muito obrigado São Pedro! Depois da saída, tudo passou a ser novidade para mim. Não tinha a menor noção do quanto a gente teria que pedalar, não sabia se iria agüentar ficar sentado tanto tempo num banquinho de bicicleta e principalmente não sabia se meus músculos iriam resistir. Mas conforme íamos pedalando fui descobrindo o quão maravilhoso é poder passar devagarinho pela mesma estrada em que passamos sem notar nada de dentro de um carro barulhento.
Claro que as vezes nossas pernas não agüentavam mais virar uma curva e ver mais uma subida pela frente, mas isso era rapidamente compensado pela descida que teríamos mais a frente. Como foi bom poder descer trechos de nove quilômetros com os braços abertos simplesmente como se estivéssemos voando. E foi nesse primeiro encontro, mesclando um sabor de descobrimento com um cansaço incrível, que nós paramos para dormir no primeiro dia, a 120 quilômetros de Floripa.
A minha principal dúvida era quanto meus músculos iriam reclamar no dia seguinte. Resposta: nada que pudesse atrapalhar nossos planos de ir dormir na base do Morro da Igreja. Depois de dois dias não sentia mais dor nenhuma mesmo nas piores subidas que as vezes tinham de ser vencidas empurrando a bicicleta.
Uma outra coisa que me marcou bastante foi a simpatia com que as pessoas tratavam a gente. Quase todo mundo vinha conversar com a gente e se surpreendia com a nossa viagem. Isso dava um ânimo indescritível. Aproveitando essa boa vontade típica dos brasileiros conseguimos também cumprir um outro plano típico de universitários: não gastamos um real com hospedagem! Quando chegava a hora de parar para dormir pedíamos as pessoas que nos arranjassem um local para podermos montar nossa barraca. Não recebemos nem um não!
E foi pedindo um lugar para dormir que conhecemos uma família muito legal na base do Morro da Igreja. Armamos nossa barraca na garagem dela para que pudéssemos nos proteger do frio e no dia seguinte fomos surpreendidos com uma animadora carona de trator que subiu uns dois quilômetros com a gente na caçamba. Para uma subida de 17 quilômetros que tínhamos pela frente essa ajuda deu um grande ânimo. No alto do Morro fizemos a festa. Chegar lá em cima de bicicleta foi uma sensação maravilhosa. Poder falar com os amigos que tínhamos conseguido, que apesar de todo cansaço ríamos a toa foi demais!
Depois de uma hora sentado admirando a paisagem começamos a descer. Mais alegria. Voávamos como se fossemos as pessoas mais felizes do mundo respirando um ar quase entorpecente. Seguindo nosso objetivo, depois de subir um paredão que nos exauriu, começamos a descer a Serra do Corvo Branco. A grandiosidade do lugar é de calar qualquer um. Vimos o quanto ficamos pequenos quando comparados com as riquezas naturais da Terra. Descer aquela serra contemplando aqueles paredões foi inesquecível. Espero que um dia todo mundo possa ter a mesma sensação que tive lá.
Após essa descida continuamos pedalando, agora tendo como objetivo Florianópolis para podermos contar tudo o que passamos aos amigos e a família. Afinal quando se faz uma viajem em que temos que sentar atrás da igreja principal da cidade, todo sujo, para podermos comer um frango assado comprado no supermercado de uma cidade em que não conhecemos ninguém, não tem nada melhor que chegar em casa, tomar um bom banho, comer bem e deitar pensando em qual vai ser a próxima aventura.
Esta viagem foi feita por três alunos do curso de Engenharia Sanitária-Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina. Os alunos Bruno Duarte Azevedo, Gabriel Starke e Wellington Baldo fazem parte do Projeto União das Águas que terá como primeira etapa uma travessia do Oceano Atlântico ao Pacífico de bicicleta cruzando a Patagônia. Neste projeto, criado por nove alunos do curso (inclusive os três), o principal objetivo é alertar ao maior número possível de pessoas que toda a água do planeta merecem ser respeitada e preservada por todos os povos não importando sua origem.