O espanhol asturiano Juan Menéndez Granados atravessou a América do Sul do Oceano Pacífico ao Atlântico de bicicleta numa expedição solo. Na Amazônia, tornou-se oficialmente a pessoa mais jovem a atravessar esta região cheia de perigos sozinho e sobre duas rodas. Mas não pedalou somente na selva, também percorreu o Deserto do Atacama e a Cordilheira dos Andes. "La entrada en la selva provoca en mi un sentimiento muy especial. Las cascadas caen desde lo alto de la montaña. La vegetación lo cubre todo. El calor es espantoso. La temperatura puede no ser muy fuerte, pero el elevadísimo grado de humedad hace que uno sude a mares"... Entrevista realizada em agosto de 2005:
Como começou no cicloturismo?
Aos 14 anos, com passeios próximos, com mais 2 ou 3 amigos e logo fui aumentando as distâncias. Fiz o Caminho de Santiago com um amigo aos 16 anos. Os amigos foram parando e eu continuei fazendo expedições mais difíceis. Ao todo foram três vezes em Santiago, por caminhos diferentes. A partir desta terceira viagem em diante sempre viajei sozinho. A viagem que mudou minha vida foi a expedição Transpirenaica, aos 20 anos. Cruzei do Mediterrâneo ao Atlântico pelos Pirineus, sempre por estradas de terra, com muitas cercas, muita dificuldade de orientação e acampando sempre.
Qual foi a mudança que esta viagem provocou na sua vida?
Foi muito duro, aprendi a sofrer, pois foi uma viagem muito extrema. O Caminho de Santiago foi muito fácil em relação a esta. Aprendi a planejar de verdade e também a improvisar. E depois desta expedição foi que resolvi deixar minha carreira profissional. Foi bastante difícil falar isso para os meus pais. Mas foi a melhor coisa que fiz, cada dia que passa agradeço por ter tomado esta decisão. Acho que o currículo é mais importante que o título. Nesta época senti falta de aprender inglês, pois em todo o mundo se fala inglês. Então fui sozinho para a Inglaterra. Tive bastante dificuldade para me comunicar no início, fiquei cinco meses lá trabalhando (em jornais, fábrica de pizzas congeladas, etc). Fazia hora extra para conseguir juntar dinheiro para a próxima expedição, que foi para a Escócia. Na volta para a Espanha comecei a planejar a viagem para o Marrocos. Sempre busco dificuldade mas a expedição do Marrocos foi extrema demais. Tive dificuldade com água, orientação, língua, dinheiro....Para economizar, ao invés de ir de avião para lá, fui de carro, larguei o carro e peguei a balsa. No Marrocos peguei trem e ônibus. Lá falam árabe, berebere e um pouquinho de francês. Eu me virava com palavras básicas do guia de línguas. Tenho boas lembranças.
E como foi o planejamento da viagem para o Brasil?
Foi um planejamento em tempo recorde, um mês e meio para conseguir patrocinadores, equipamento, logística, tudo. Estava pesquisando quando descobri que a melhor época para vir era janeiro, por isso tive que fazer tudo muito rápido.
Como você escolheu o roteiro?
Olhando para o globo posso falar sempre de milhares de projetos, mas a Amazônia sempre me atraiu muito, pela mata, pelos índios, pelos animais e pela dificuldade. Atravessar a Amazônia de bicicleta é uma das expedições mais temidas do mundo. No final fiquei um pouco decepcionado. Já sabia que não iria ver bichos, mas vi muito menos mata do que imaginava. Escolhi começar num oceano e terminar no outro e queria conhecer também outros países, então escolhi o caminho mais longo e mais interessante também. Saí do Chile, subi a Cordilheira dos Andes, cruzei o deserto do Atacama e fui conhecer o Titicaca e Machu Pichu. Qual foi a maior dificuldade? Por ser uma expedição auto suficiente com condições muito distintas, foi incrivelmente duro. O deserto mais árido do mundo, as cordilheiras muito altas e depois ainda a Amazônia.
E quanto ao equipamento que carregava?
Fiquei também decepcionado. Tive muitos problemas técnicos. Os meus tanques de água, tipo sanfona, estragaram logo nos primeiros dias, pois o material não agüentou. Improvisei com garrafas pet , que duram mais que estes equipamentos tecnológicos. O filtro de água quebrou no segundo dia de Amazônia, os parafusos dos bagageiros também deram muitos problemas assim como os alforjes que eram para ser impermeáveis.
Que parte foi mais difícil?O começo, pois era a primeira vez que levava tanto peso, inclusive no bagageiro dianteiro. A bicicleta fica mais estável, não tende a empinar, mas demorei para me acostumar. Foi duro também por que tive que subir a 4600m. Foram mais de 200km de subida. Subi bem devagar para me aclimatar, isso foi muito bom, não tive nenhum problema com a altitude. Tive que carregar 10 litros de água no deserto, mesmo assim fiquei sem água várias vezes, não tinha água nem para tomar café da manhã.
Como foi no Peru e na Bolívia?
Quando cheguei no altiplano tive a dificuldade de cansar muito rápido. Pedalava 20km e já estava cansado. Além disso, peguei época de chuva ali e a estrada era de uma lama arenosa, muito difícil. Mas também peguei o carnaval lá, foi uma grande festa. Na Bolívia e no Peru é tudo muito informal e você tem que ficar muito esperto. Acabei ficando doente em Copacabana, por conta de um remédio para dor de dente que provocou uma gastrite. Fui para Machu Pichu e foi muito bacana. É um lugar emblemático e subir lá de bicicleta foi muito bom. De lá subi um pasomuito alto, a altitude chegou a 4871m. Peguei chuva e terreno muito ruim. Depois disso veio a mata peruana. O bagageiro dianteiro quebrou quatro vezes, até que decidi fazer um de ferro. Nas estradas peruanas a mata era fechada mesmo. E havia muitas pedras redondas grandes. Em alguns trechos foi pior do que a Transamazônica.
Como foi a passagem para o Brasil?
Notei uma mudança de mentalidade muito grande. O peruano é muito conformado com os problemas. Já o brasileiro tenta fazer as coisas melhorarem, mesmo que muitas vezes faça tudo errado, rs. Na transamazônica peguei o final da época de chuvas, com muita lama. Chovia sem parar, mas logo chegou a seca. A Amazônia é plana só vista de cima, na verdade ela é toda ladeira. O barro me fazia atolar muito e passei fome e sede às vezes. Cada quilometro na Amazônia é um triunfo. E foram 2400km, todos eles muito duros.
E a recepção das pessoas na Amazônia como foi?
Foi absolutamente maravilhosa. Dividiam a comida comigo, davam o pouco que tinham, convidavam para parar, de forma verdadeira. Foi maravilhoso, maravilhoso! Muitas vezes tive que deixar as coisas nas casas para resolver problemas com a bicicleta e nunca ninguém mexeu em nada.
E o contato com os índios?
Passei dois dias com os índios, já tinha pego autorização com a Funai, que demorou 8 dias para sair. Fui para o mato com eles caçar. Só o cacique usava flechas, o resto usava espingarda. Começamos o caminho de 4x4 e depois andamos bastante. Eles ganhavam bastante dinheiro com a ajuda do governo e por uma rede elétrica que passa na área deles. Tinham até brancos trabalhando para eles. Só os velhos falavam a língua indígena, os mais novos estavam perdidos entre uma cultura e outra. A aldeia que visitei era dos Kyiatejé, fica fora da transamazônica, perto de Marabá. Ah, quase ficaram com a minha câmera, pediam a todo instante.
O final da viagem como foi?
Cheguei ao Atlântico em Salinópolis, no Pará. Na chegada a Belém os ciclistas fizeram uma recepção para mim, foi emocionante.
O que foi mais marcante para você no Brasil?
Uma das coisas foi a hospitalidade. Mas fiquei muito impressionado com os problemas sociais. Meninas grávidas, crianças sem pai, muitos com HIV. Também fiquei assustado com a falta de fiscalização do desmatamento. Eles desmatam à vontade.
Como foi para conseguir patrocínio?
Tive que fazer um projeto muito bem feito. Pressionei bastante, por estar com pouco tempo. Pedir patrocínio é muito muito difícil. Pelo que vi, talvez no Brasil seja até mais difícil ainda. Muita gente não cumpre o que prometeu ao patrocinador, não faz a divulgação combinada, isso atrapalha muito. Meu trabalho de divulgação começa agora, voltando para Espanha tenho muito trabalho, o importante é que tenha muita mídia.
Sua família o apóia?
Não, eles não me apóiam em nenhum projeto. Tive muitas discussões, quase me mandaram embora de casa. Meu pai me falou para nunca contar com ele para nada. Mas meu objetivo na verdade é pedalar. E quando terminei esta expedição eles disseram que estavam orgulhosos. Isso foi muito importante para mim.
Quais seus projetos futuros?
Meu sonho é dar a volta ao mundo e viver de projetos de viagem. Para saber mais sobre esta e outras expedições de Juan Menéndez Granado: www.juanmenendezgranados.com