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Entrevista: Daisuke Nakanishi - 5 anos viajando ininterruptamente

Daisuke Nakanishi é um economista de Osaka que durante os seus anos universitários realizou diversas viagens de bicicleta no intervalo das férias. Ao longo deste tempo, a vontade de fazer uma longa viagem ao redor do mundo foi ganhando força e contorno. Uma vez formado, Daisuke trabalhou duro por 6 anos até juntar uma boa economia que o mantivesse para uma viagem de 3 anos.

Só que Daisuke já está há 5 anos viajando ininterruptamente pelo planeta. Esteve por tudo quanto é canto e promete só parar em 2007. Em sua passagem pelo Brasil, Daisuke foi ajudado por vários ciclistas que integram uma lista de discussão na internet e que o abriram suas casas para que ele descansasse em sua jornada. No Rio, o anfitrião foi o ciclista Mauro Caldas. Fui a sua casa para conhecer o cicloturista japonês e entrevistá-lo para o site do Clube de Cicloturismo. Nesta entrevista você vai conhecer um pouco mais sobre a cicloviagem de Daisuke, sobre seu pensamento e saber das enrascadas em que se meteu na África.

Quando começou este teu desejo por uma viagem mundial de bicicleta?
Daisuke: Quando eu ainda estava na universidade eu visitei 20 países em cinco viagens diferentes...
Todas de bicicleta?
Daisuke: Sim, todas de bicicleta. A primeira foi para os EUA onde pedalei de Los Angeles à Nova Iorque em 48 dias. Depois fui para a Europa e África, de Londres ao Egito que completei em dois meses e meio. A seguinte foi na Ásia, onde visitei a Singapura e a Malásia, e ainda a Nova Zelândia. Outra viagem já me levou por Taiwan e Coréia do Sul. A última foi para a Índia e o Nepal.
E como foi o planejamento desta volta ao mundo?

Daisuke: Durante todo este tempo eu pensei na possibilidade de viajar o mundo todo. Depois de formado eu consegui um emprego e trabalhei sem férias durante 6 anos para juntar o dinheiro para esta viagem. Meu primeiro plano foi o de ficar viajando por três anos e meio para conhecer 60 países nos cinco continentes. Já no primeiro ano, percebi que este tempo não seria suficiente. Então prolonguei meu planejamento para uma viagem de 5 anos; economizando bastante eu seria capaz de estender este prazo. Acontece que quando os 5 anos chegaram eu já tinha conhecido 62 países e ainda queria mais. Resolvi ficar mais 3 anos pedalando e quero chegar a 120 países.
E agora você acha que a grana vai dar?
Daisuke: Pois é, meu orçamento está muito apertado. O que me leva mais dinheiro são os vistos que tenho que tirar para entrar em vários países. No dia a dia não gasto muito, as pessoas me dão abrigo e comida, mas a cada passagem de fronteira minhas economias baixam ainda mais. Se não conseguir algum tipo de patrocinador vou ter que arranjar um emprego por aí.
Que bicicleta você usa?

Daisuke: A minha bicicleta foi construída especialmente para mim por um construtor japonês que a adequou exatamente para as minhas medidas. O quadro foi reforçado para o volume de peso que carrego, cerca de 60 quilos no total (bicicleta mais alforjes).
É bastante pesada. Qual a tua lista de equipamentos?
Daisuke: Além das roupas carrego o material de acampamento, incluindo itens de cozinha como fogareiro, panelas, pratos, etc, medicamentos, um mosquiteiro, material fotográfico, saco de dormir, livros...
Livros? Que tipo de leitura você faz durante a viagem?

Daisuke: Levo revistas, guias de turismo, livros com informações sobre os países e meus diários de viagem.
Você mantém contato com sua família e amigos no Japão?
Daisuke: Não só no Japão mas em todo o mundo. Tenho hoje amigos espalhados pelos quatro cantos do planeta com quem troco informações através da internet.
O que a sua família achou desta sua empreitada?
Daisuke: Eles me disseram para voltar para o Japão e trabalhar, mas meus amigos me deram muito suporte. Eles me disseram: vai ser uma experiência incomparável, vá adiante e aproveite a sua viagem.
Conte um pouco sobre as enrascadas que você já se meteu até agora.
Daisuke: Minha passagem pelo continente africano foi bem conturbada. Na África Central, próxima da República Democrática do Congo, tive que atravessar regiões muito perigosas, ainda em guerra. A polícia local é muito violenta, visto que está sempre estressada com as constantes invasões entre estes países, além de ser completamente corrupta. Infelizmente isso é uma realidade em diversos países africanos. Na Guiné Equatorial, por exemplo, em cada barreira policial que eu cruzava na estrada tinha que dar algum tipo de propina aos policiais. E isso a cada 30 km! Além disso, o deserto do Saara foi muito difícil, muito quente mesmo. Achei até que iria morrer quando passei pelo Marrocos e Mauritânia, mas tinha sempre um carro que parava para ajudar com um pouco d'água. Na Nigéria passei por algumas cidades em que corpos de pessoas mortas simplesmente jaziam nas ruas sem que ninguém se importasse, nem mesmo os policiais. O cheiro era insuportável. E para concluir minha saga africana, peguei malária no Quênia e na Namíbia quase fui atacado por hienas enquanto dormia em minha barraca.

Quais são os maiores desafios de um cicloturista?
Daisuke: Para encarar as longas jornadas pelas estradas é preciso estar bem fisicamente, as pedaladas te exigem muito. As condições climáticas também podem ser bastante desfavoráveis, principalmente os ventos. Na Patagônia, sul da Argentina, enfrentei ventos contra fortíssimos fazendo com que eu tivesse que caminhar. Em algumas vezes era tão forte que nem caminhar eu conseguia. Mas para ver a paisagem desta região vale a pena qualquer desafio.

Você já deve ter visto muitas paisagens estonteantes por aí, o que mais te impressionou?
Daisuke: Olha, não sei se é por que agora estou no Rio de Janeiro mas estou encantado com a paisagem desta cidade. E não é para te agradar não (risos). As montanhas, a costa sinuosa. É uma cidade muito bonita.

E o que andou fazendo pela Cidade Maravilhosa?
Daisuke: Eu pedalei até o Corcovado, assim como aproveitei as ciclovias da cidade para conhecê-la de bicicleta com alguns amigos. Também escalei o Pão de Açúcar pela via conhecida como Costão. Como era o Carnaval, não podia perder a festa. Comprei um ingresso e fui assistir ao primeiro dia de desfiles. Fiquei feliz pois vi a Xuxa de longe e gostaria muito de conhecê-la. Você acha que eu consigo um encontro com ela?

Olha Daisuke, acho isso muito difícil, mas como você conseguiu um autógrafo de Pelé em sua passagem por Santos, quem sabe não consiga um da Xuxa também? Aliás, como foi este seu encontro com Pelé?
Daisuke: Eu estava em Santos e queria muito conhecê-lo. Dei sorte pois ele estava na cidade. Descobri onde ele estava e o aguardei do lado de fora. Quando ele saiu eu me apresentei e pedi um autógrafo na bandeira japonesa que carrego cheia de mensagens que juntei mundo afora. Ele escreveu: "Fé em Deus. Que tudo dê certo em sua jornada." Fiquei muito emocionado. Queria encontrar também o cantor Roberto Carlos.

Além do Pão de Açúcar você já subiu outros picos pelo mundo?
Daisuke: Na Argentina subi o Aconcágua, o pico mais alto da América do Sul. Na Austrália subi o Koziusko e na África subi o Kilimanjaro.

No Brasil qual foi a sua rota?
Daisuke: Entrei por Uruguaiana e depois segui por Porto Alegre, Florianópolis, Joinville, Curitiba, Santos, São Paulo e Rio de Janeiro, entre as principais cidades.

E como foi a receptividade dos brasileiros?
Daisuke: Foi muito boa. Aqui a internet ajudou muito. Fui conhecendo vários amigos através das listas de discussão sobre ciclismo, que me ofereceram pousada em suas casas.

Você acha que por estar em uma bicicleta isso gera uma maior receptividade nas pessoas?
Daisuke: Acho que sim. A bicicleta é um veículo de propulsão humana, isso cria uma empatia nas pessoas, principalmente em uma viagem mundo afora. Sou sempre bem recebido por onde quer que eu passe. Fiz muitos amigos mundo afora.
Qual o seu trajeto agora?
Daisuke: Do Rio sigo para Petrópolis, Belo Horizonte, Foz do Iguaçu, Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, depois volto a entrar no Brasil para cruzar a floresta amazônica até as Guianas. Em seguida passo para a Venezuela e de lá para o Caribe, EUA e Canada, de onde pego um vôo para a Europa, sigo para a Ásia e finalmente retorno para o Japão.

Porque resolveu subir até Belo Horizonte?
Daisuke: Pois ouvi dizer que existem garotas lindas por lá.

Ah, e você quer arranjar uma namorada brasileira?
Daisuke: Talvez, eu não sei... (risos encabulados)

Quando terminar esta viagem, você acha que vai ser difícil se reacostumar com a vida da cidade?
Daisuke: Para te dizer com toda a sinceridade, não tenho a menor idéia.

Carlos André Ferreira é jornalista/fotógrafo e autor do recém lançado livro Avenida das Américas - uma viagem de bicicleta pela América Latina (mais informações: www.cicloamericas.com.br). É também colaborador permanente do Clube de Cicloturismo do Brasil