Volta de Santa Catarina

Motivação: Parar ou recomeçar?
Após muitos anos de trabalho, finalmente chega o dia em que você decide parar de trabalhar. Abrace, então, uma nova oportunidade de vida: dormir e acordar a qualquer hora, cuidar do jardim, iniciar o hábito das caminhadas matinais, viajar para conhecer novos lugares, visitar parentes ou até outros países, ou como aconteceu comigo, reacender o espírito da aventura, perseguir aquele sonho e realizá-lo com um dos objetos do desejo de toda criança: a bicicleta.

Percurso contornando o estado de Santa Catarina

A vontade de realizar esta viagem, praticamente circundando Santa Catarina, renasceu às vésperas da aposentadoria, e a providência inicial foi adquirir a bicicleta adequada para o evento. O primeiro passo estava dado. O segundo já era mais difícil: com 53 anos era preciso criar resistência e músculos para pedalar longas distâncias. Os treinos começaram com pequenas incursões e foram crescendo em tempo e percurso – tudo dentro da Ilha (Florianópolis). Saindo da Armação, ia inicialmente até o Pântano do Sul.

 Leocir (esq.) e Olir (dir.)

Paulatinamente, os desafios foram aumentando, pois se estenderam ao Campeche, Ribeirão da Ilha, Lagoa da Conceição, Centro da Cidade, Naufragados e depois às praias do norte, como a Daniela, Ingleses, Ponta das Canas, Barra da Lagoa, Moçambique entre muitas outras. Quando tive certeza de que estava reunindo as condições físicas para a viagem, começaram os contatos com tudo o que se relacionava com este tipo de aventura: revistas, sites, donos de lojas, ciclistas e viajantes que cruzassem pelo caminho. É claro que surgem problemas para um empreendimento como este: resistência da família que se preocupa com nossa segurança; nossos amigos que acham que estamos com idade avançada para um evento desta natureza; as nossas condições físicas decorrentes de exercermos atividades sedentárias, sem nenhuma necessidade de esforço físico; o preconceito com a pessoa que se aposenta. Mas, se tivermos vontade e determinação, tudo é superável.

 Por que contornar o Estado de Santa Catarina?
Santa Catarina é o estado que escolhi para viver e é aqui que constituí minha família, estudei e trabalhei durante quase 40 anos. E é aqui que pretendo permanecer, conhecendo-o cada vez mais. O roteiro compreende quase uma centena de cidades, lugarejos e vilas onde serão encontrados os mais variados costumes, arquitetura, etnias, clima, vegetação, topografia e caminhos. No litoral a colonização açoriana, ao norte a colonização alemã, e em direção ao oeste a colônia italiana, japonesa, tirolesa(austríaca), polonesa e que, na economia, desenvolveram os setores pesqueiro, têxtil, madeireiro, agro-pecuário, metal-mecânico, mineral, cerâmico, entre outros.

 

Relatos de Uma Aventura
Depois de 2.386 quilômetros percorridos, dos quais os últimos 123 de Garopaba até minha casa na Armação, foram visitadas 91 cidades e 30 dias de viagem. Foi uma ótima aventura. Valeu a pena! Inesquecível! Ficou a lição e a certeza de que com determinação tudo é possível se houver planejamento e preparo psicológico adequado. Durante a viagem a rotina incluía os exercícios de alongamento ao acordar,o banho e o café reforçado. Ao meio-dia e à noite carne, massas, verduras e nada de bebidas alcoólicas. Ao chegar ao hotel a primeira providência era lavar as roupas, espremê-las dentro da toalha de banho e arranjar um ventilador para que secasse até a manhã do dia seguinte.

A viagem transcorreu bem, muito alem do previsto, de vez que furaram apenas dois pneus. Quanto à saúde, nada a registrar. Mas, afinal de contas, qual foi o resultado dessa viagem? À medida que vou refletindo sobre o assunto começam a brotar pequenos detalhes que, quando analisados em conjunto com outros fatos, passam a dar uma nova visão ou interpretação sobre para que serviu esta aventura de quase 2.400 quilômetros. Muitas das intenções iniciais não puderam ser concretizadas por uma série de fatores e precisaram ser adequadas. Entretanto alguns detalhes merecem ser citados e comentados.

 O objetivo maior que era o de circundar o Estado foi cumprido e com isso demonstramos que a idade não é um limite para qualquer empreitada. Ficamos certos de que o treinamento que antecedeu a viagem foi suficiente e a bagagem adequada. O maior temor, no entanto, sempre foi o trânsito. Em trechos com grande movimento e estradas sem ou com péssimo acostamento tínhamos que dividi-las com ônibus e carretas. A distância que nos separava, algumas vezes, era de poucos centímetros e a apreensão só acabava quando a gente também "entrava no jogo". Mas, esquecendo o trânsito, tudo mais transcorreu de forma agradável e sem maiores problemas. Os contatos mantidos com nossos ex-colegas besquianos variavam de clima em função do relacionamento anterior; os que estavam há mais tempo no banco eram nossos conhecidos e nos recebiam bem humorados e brincavam com nossa aventura. Os mais jovens nos recebiam mais reservadamente. Em quase todos os lugares, por causa da aparição nos programas da TV, éramos reconhecidos nas ruas por pedestres, nas estradas pelos motoristas, nos postos e hotéis pelos atendentes. De todos partiam saudações, com o sinal de "positivo" com o polegar, businas e "votos de sucesso". Perguntavam de onde vínhamos e para onde íamos. Principalmente nas cidade menores a curiosidade das crianças era para com as bikes e alforjes que chamavam a atenção. Muitos ainda não tinham visto "freios a disco" e queriam saber como funcionava, se eram eficientes e os experimentavam, apertando os comandos.

A solidariedade também foi muito presente nas cidades menores: em pleno domingo nos atendiam para pequenos reparos, com satisfação e nada cobravam. Nos postos de combustíveis éramos atendidos com boa vontade e ganhávamos gratuitamente material de limpeza e lubrificação. Nos hotéis, alem de muitas vezes termos preços especiais, alguns até de cortesia, nos permitiam levar nossas bikes para os apartamentos, facilitando nossa viagem, já que não tínhamos necessidade de desmontar a noite e remontar pela manhã os alforjes que continham nossos objetos pessoais e de manutenção, mapas, máquina fotográfica, diário, etc. Assim, de manhã, estávamos sempre prontos para partir sem perda de tempo. Em muitos lugares tínhamos o privilégio da companhia dos proprietários quer na hora do almoço, quer na hora do café.

Todos procuravam nos passar informações e orientação sobre trechos de estrada que iríamos percorrer, inclusive sugerindo alterações de itinerário, quando possível. A partir dos 700 a 800 quilômetros percorridos, quando entrávamos em algum bar, restaurante ou mercado para nos alimentar ou comprar alguma produto e nos perguntavam de "onde vínhamos" e contávamos o percurso já feito, era comum indagarem sobre nossas motos. Quando dizíamos que estávamos andando de bicicleta - normalmente confundiam nossas roupas com as de motoqueiros - duvidavam e pediam para "ir lá fora vê-las".

Então exclamavam que "tínhamos muita coragem" e complementavam perguntando "o que nos tinha motivado para tal aventura". Alguns nos tachavam de "corajosos", outros de "malucos", outros diziam "sentir inveja". Outros, ainda, confessavam que já tinham pensado em fazer o mesmo mas que "não conseguiam se decidir e pôr o pé na estrada". Houve alguém que pediu conselho sobre "como deveria agir para poder decidir" ou em que ambiente nós havíamos decidido. Perguntavam sobre nossa preparação física, alimentação, equipamento, bagagem, os planos, nossas próximas aventuras. Sobre a acolhida dos parentes, podemos dizer que sempre foi excelente, o que em nada nos surpreendeu.

Um fato curioso: quando passávamos por Videira um garoto, de uns 10 anos, perguntou de onde vínhamos. Quando dissemos que éramos de Florianópolis ele respondeu que "então deveríamos conhecer seu pai". Quando perguntamos onde seu pai morava, respondeu que "na Armação". Embora não o conhecesse pessoalmente, já o tinha visto. Tiramos uma foto juntos e, ao retornar e mostrar a foto ao pai, este chorou de emoção, pois não via o filho há alguns meses. Assim como os batedores, desenvolvemos um ouvido aguçado. A necessidade de se esquivar dos carros, principalmente nas estradas sem acostamento, nos mantinha sempre alertas. Nos morros, pelo som dos motores, avaliávamos o quanto ainda tínhamos de percorrer para vencer os aclives: a velocidade, o som do motor e a troca de marchas nos davam os elementos para julgamento. Aprendemos a usar e distribuir as forças olhando o relevo, o clima e a hora. Conhecemos os mais variados climas, vegetação, relevos, tipos de habitação, alimentação, agricultura, os tipos e a situação das nossas estradas.

Aprendemos a andar nas mais diversas condições: asfalto, estradas de terra, arenosas, com pedregulhos, planas, aclives e declives acentuados, onduladas, em dias de chuva, sol quente, frio, vento e neblina. Serras como as da região de Corupá, Seara, Matos Costa, São Joaquim e a Serra do Rio do Rastro. Planícies como as de Campos Novos, Lages, São Lourenço d`Oeste e do litoral. Aprendemos também que há muito para se conhecer ao nosso redor. Não há necessidade de ir longe para descobrir coisas belas e interessantes. Primeiro devemos conhecer as nossas cercanias, antes de nos aventurarmos para mais longe. Vivemos as emoções de percorrer o litoral catarinense, conhecendo suas praias, a mata atlântica, as grandes áreas rurais e a inesquecível descida na estrada da Serra do Rio do Rastro e o pernoite sob o Farol de Santa Marta. Enfim, hoje sabemos um pouco mais sobre o nosso Estado. Para mais informações: http://olirm.sites.uol.com.br/


José Olir Mocelin, descobriu os prazeres do cicloturismo aos 53 anos e em 2 anos a quilometragem da bike já assinalava mais de 13.000 km. A aposentadoria passou a ser uma fonte de novos prazeres. A saúde e o corpo estão em ótima forma, e a auto-estima é grande.