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Travessia Atemporal: De Florianópolis a Valparaíso (Chile) cruzando os Andes

A travessia pela travessia. A jornada é crucial para reflexão. É como se voltássemos ao século XII, época das peregrinações religiosas, as tais cruzadas. O meio de transporte muda mas a sensação de descobrimento e a quebra de paradigmas se mantêm intactas.

Realmente o Neto levou o violão, de Florianópolis até o Chile!

O partir sempre me remetia a algo bastante simbólico mas a relativização de conceitos e idéias começou antes do que imaginava. Ir, chegar, estar e passar foram algumas das muitas palavras que ganharam grande espaço de reflexão durante a jornada.

Pré viagem

O de se destacar nessa viagem é o lado extremamente transformador e crítico que a bicicleta tem na vida do homem moderno. Isso se deve as formas que estabelecemos hoje nossas relações cotidianas. Algo que já pode ser evidenciado no histórico ciclístico dos participantes da viagem, que melhor pode ser caracterizada como "experiência" no sentido mais científico que a palavra possa ter.

 

Primeiro dia de viagem, entre Florianópolis e São Bonifácio, fugindo da BR-101 São Bonifácio (SC-BR)

 

Eu, particularmente tive meu primeiro contato com a bicicleta por simplesmente não acreditar mais no automóvel como solução para deslocamentos urbanos. Atordoado pelo trânsito caótico de São Paulo, cheguei a conclusão de que além de fazer um dano absurdo a minha cidade, e indiretamente a mim. O uso do carro como é feito hoje em São Paulo ia de encontro a tudo que vinha pensando.

Então, há uns 3 anos comecei a fazer meus deslocamentos urbanos com a magrela. Acabei conhecendo e me envolvendo com pessoas interessantes a quem devo tudo que sei e penso hoje acerca da bicicleta. Fiz minha primeira cicloviagem em junho de 2009. Foi uma simples e discreta descida até Santos pela estrada da manutenção. Feita com quem considero meu "guru" no que se refere a bicicletas, o grande Mathias.

Desde então não pensava em outra coisa, foi amor a primeira vista. Como era um lugar que durante minha vida toda conheci apenas de carro, foi uma enorme quebra de paradigma. Ao viajar de carro não se imagina que possa ter existido algo antes da estrada, que a estrada tem um histórico recente quando comparado ao da região que ela se apropria. Que a estrada foi um local de ESTAR assim como o local de destino de nossos deslocamentos.

Típica paisagem catarinense - Mantiqueira (SC)

O ponto de vista de quem está de automóvel é comprometido e assim tem um caráter reduzido de reflexão. E por pior que seja, isso acontece sem que percebamos. Quando nos damos conta, essa ideologia "carrocrata" já se apropriou de nossos mais preciosos bens, os bens públicos.

Na metade do ano de 2009 eu e Max, decidimos que era a hora de uma travessia maior, algo grande. Max logo falou com Diogo, que são colegas biólogos da UFSC e ele se animou. Diogo falou com seu primo Paulo e juntos, trocando e-mails logo surgiu a idéia de ir do oceano Atlântico ao Pacífico, de Florianópolis a Valparaiso (Chile). A idéia sempre nos pareceu grandiosa demais, e chegar até o Chile não parecia executável.

Serra Geral do Rio do Rastro - Bom Jardim da Serra (SC - BR)

Poxa, tínhamos que cruzar Santa Catarina, o Rio Grande do Sul inteiro, toda planície argentina e finalmente, os Andes. Eram 3000 km! Era muito para quatro estudantes que pouco sabiam de ciclismo e só utilizavam a bicicleta como meio de transporte na cidade. Como moro em São Paulo e os outros companheiros em Florianópolis, decidi que um encontro físico antes da viagem era fundamental.

Então em agosto fui pra lá para acertar algumas coisas que faltavam e acabamos fazendo uma pequena travessia. Saímos da porta da casa do Max e percorremos até o extremo sul da ilha, a praia de Navegantes. Por menor que seja a cicloviagem, a partida tem que ser feita na porta de casa. Isso ajuda no que me refiro a viagem como travessia, dá mais espaço para reflexão. Pegamos uma pequena canoa e cruzamos para o continente. De lá pedalamos até a bela praia da Guarda do Embaú. Foram uns 80 km.

Aduana Brasil - Argentina (próximo de São Borja RS - BR)

Depois desse pequeno passeio a grande travessia foi tomando forma. Fomos pesquisando outras cicloviagens e relatos de ciclistas experientes e traçando um pequeno roteiro base. Entrei em contato com os relatos do grande ciclista, que me serviu de muita inspiração, Fabio Zander. Fui em uma de suas palestras e fiquei bastante animado. Ele foi sozinho até o Ushuaia! Depois dessa, comecei a pensar que talvez nosso sonho fosse possível, embora nunca me achasse preparado para tal. Ninguém achava.

Em novembro tínhamos o roteiro do trecho brasileiro da viagem definido. Isso nos deu um pouco mais de confiança e nos aproximou cada vez mais da partida. Antes de partir fizemos um pequeno "curso de mecânica'' das premissas basicas de um cicloviajante: pneu, câmbio e freios. Curso esse ministrado pelo grande Marcio Campos, uma das poucas pessoas que sempre acreditou em nós. Valeu Marcio!

Ascochinga - La Cumbre (Córdoba Argentina)

 

A viagem

Barraca, alforjes, isolante, saco de dormir, fogareiro e parecia tudo pronto. Decidimos sair o quanto antes pois Max, Diogo e Paulo tinham compromisso a cumprir em Florianópolis no começo de fevereiro. A data escolhida foi dia19 de dezembro de 2009. Saímos da porta da casa do Paulo sem saber muito bem aonde passaríamos a primeira noite. Decidimos cruzar SC passando pela Serra do Rio do Rastro para evitar o trecho catarinense da BR-285 que nos avisaram estar em péssimas condições.

Ajuda do padeiro Juan com rotas alternativas La Cumbre (Córdoba - Argentina)

Após a serra cruzaríamos para RS na cidade de Bom Jesus. E de lá seguiríamos no planalto gaucho por uns 600 km até a fronteira com a Argentina. O resto estava para ser decidido depois.

Durante toda viagem sempre evitamos pegar estradas movimentadas, as BRs e demos bastante espaço as estradas de chão.A primeira parte da viagem, de São Bonifácio (SC) até Bom Jesus (RS) foi a que mais exigiu preparo físico. Para começar, a serrinha até a cidade de São Bonifácio (primeiro dia) foi bem pesada, um sobe-desce que não acabava mais. Quando chegamos em Lauro Muller, já no pé da Serra do Rio do Rastro, decidimos nos afastar um pouco da cidade para montar acampamento. Um caminhoneiro nos avisou que ha uns 3km da cidade tinha um local lindo com bastante água que parecia perfeito para acampar. Bastava pegar uma estradinha de chão.

Topo da serra do Parque Nacional El Condorito (Cordoba - Argentina)

Decidimos acreditar no caminhoneiro mas os 3km se transformaram em 30. A estradinha de chão se transformou numa passagem intensa de caminhões e claro, começou a chover. Quando já estávamos na pior, Max reclamou que seu pneu traseiro estava enroscando em alguma coisa.

Quando Diogo foi ver, a bela Treck 830 de cromo tinha quebrado. O quadro que Max tinha um enorme carinho se rompera. Rachou ali bem próximo a gancheira. Estávamos no meio da estrada e tivemos que empurrar as magrelas até o pequeno povoado de Guatá. No dia seguinte arranjamos um solda mig com o simpático Zé Alegre e o problema estava resolvido. Demos muita sorte pois era a única bike de cromo, passível de soldas. Era apenas o quarto dia.

Caminho até o pueblo de La Toma (San Luis - Argentina)

Dai então era encarar de frente a esperada Serra do Rio do Rastro. Foram 25km de uma subida bastante sinuosa. Me lembrou bastante a serra de Ubatuba mas é uma subida de maior explosão, se torna muito íngreme muito rápido.

Logo depois da serra, em São Joaquim, nos deparamos com uma duas opções, fazer 80km de estradinha de terra ou 192km pela BR-116. Acabamos optando pela primeira. Depois de 34km chegamos a fronteira com RS, era o Rio Pelotas. Quando estávamos chegando na ponte que delimitava a divisa dos estados, passamos por um casal de caboclos que foram bastante receptivos e nos convidaram para passar a noite. Depois de uma educada não aceitação acabamos cedendo e passando a noite numa das casas mais remotas de toda viagem.

dois dias parados para se recuperar depois de passarmos mal Villa Larca (San Luis - Argentina)

O dono da casa, seu Zé, era um desses "caboclão", sem dente e sem olho cheio de histórias para contar. Dizia ter sido o homem mais rico de Lages, cidade que morava antes de se mudar. Tomava cachaça 51 com guaraná, drinque que nos apresentou como "sambinha".

Foi uma noite muito interessante principalmente pela conversa sobre distância e tempo que trocamos com seu Zé. Quando dissemos que estávamos indo pra Argentina, que cruzaríamos o RS, ele não acreditava. Dizia que iríamos demorar uns 40 dias pra chegar na fronteira e que o único caminho era passando por Porto Alegre.

Lago com água do degelo Potrerillos (Mendoza - Argentina)

Acho que para ele e sua esposa, Catarina, a distância para Porto Alegre, Chile, Argentina e São Paulo deve ser a mesma. É tudo ''longe''.Mas não digo isso pejorativamente, a noção de distância para eles vem de outra formação, de outras referências.

A pior estrada

Dali cruzamos para o RS e ai sim enfrentamos a pior estrada da viagem. Caia um garoa fina e a estrada começou a ficar muito ruim, era muita pedra grande e solta! Mesmo na descida não conseguíamos passar dos 10km/h. Demoramos o dia inteiro para percorrer 49km. Chegando em Bom Jesus nos reencontramos com o asfalto, era a BR-285. Sabíamos que o trecho de Bom Jesus (RS) até Passo Fundo (RS) a BR-285 estava ótima, era concessionada. Pegar um asfalto bom depois de 80km da pior estrada de terra da minha vida foi algo muito recompensador.

Banho: ótimo pra dar aquela despertada matinal. Potrerillos (Mendoza - Argentina)

É outra dinâmica de viagem, mantém-se uns 30km/h e observa-se outras coisas. Era noite de natal e a pacata cidade de Bom Jesus parecia ter se preparado para tal. Ruas e praças decoradas e igrejas convocando todos para missa natalina.

No nosso roteiro iríamos seguir pela BR-285 até a Argentina e cruzaríamos pela cidade de Uruguaiana. Mas a monotonia da grande rodovia nos fez mudar de idéia e em Passo Fundo pegamos a RS-153 e a RS- 223. Passamos por pacatas cidades gaúchas até nos reencontrarmos com a 285 em Ijuí. Dali faltavam apenas 200 km para chegar em São Borja, onde agora planejávamos cruzar a fronteira.

Comemoração

Tínhamos planejado comemorar o ano novo na fronteira e conseguimos. Já eram 13 dias de pedal e 1118km percorridos. A comemoração de ano novo foi bem peculiar. A cidade era São Borja. Tínhamos pedalado uns 120km e estávamos exaustos. Comemos um PF no cais do porto e conseguimos nos alojar na casa do rapaz que nos serviu a janta. La pela 12h30 já estavam todos acabados e dormindo em pé.

Clássico "arroz com lentilha" e delicias vegetarianas... Uspallata (Mendoza - Argentina)

Pensando agora, o fato de termos passado o Natal e o ano-novo em locais absolutamente remotos e longe de tudo que conhecíamos reforçou ainda mais (mesmo que inconscientemente) o caráter reflexivo que a jornada teve. Normalmente essas são datas em que estamos envoltos de família e amigos e locais conhecidos ou ao menos programados e esperados.

Uma grande comemoração em torno de algo que nunca é aberto a discussões sobre o porque dessa data e o porque de tal comemoração. Comemorações são interessantíssimas, mas é sempre bom ter um senso crítico estimulado, e essas situações de passar tais datas ao relento são propícias a tais reflexões.

Fronteiras

Outro aspecto interessante da nossa viagem foi a respeito das fronteiras, principalmente daquelas que dividem um pais do outro, que no nosso caso foi do Brasil pra Argentina e da Argentina para o Chile. Primeiro deve-se pensar na passagem de tempo como grande agente transformador e como responsável de nossa tentativa de reflexão.

Segundo dia de pedal nos Andes Polvaredas (Mendoza - Argentina)

Durante a jornada o tempo pareceu flutuar entre o ESTAR e o PASSAR. Ao mesmo tempo que estávamos indo de um povoado ao outro, estávamos também vivendo o caminho e acompanhando a transformação diária da paisagem.

Dessa forma, nossos sentidos passaram a vivenciar coisas que pareciam "escondidas" atrás de nossa definição rígida de ESTAR e PASSAR. Definição essa que é totalmente distinta do que define essa nova "modalidade temporal". A partir da vivência dessa nova modalidade é que se pode assimilar sutilidades que nos passam despercebidas. Sutilidades essas que acomodam noções e modos de assimilação muitas vezes negadas ou propositalmente "assombreadas" pelo nossa sociedade.

Parque Aconcagua - Puente del Inca (Mendoza - Argentina)

O que tenho como foco norteador dessa reflexão é uma dessas sutilidades que nos passam despercebidas. Apliquemos agora para a questão das fronteiras. O que essa sutilidade me fez perceber é que as fronteiras que cruzamos são, no mínimo, passiveis de crítica e questionamentos.

Desde que saímos de Florianópolis não pareceu que fomos de um pais ao outro. É claro que a paisagem mudou, não é isso que tento negar, mas nós acompanhamos essa mudança, e de muito perto. Convivendo dia-a-dia com a transformação é possível se questionar a respeito da relação imposta pelas fronteiras e notar sua superficialidade. No momento que cruzamos para Argentina nada mudou, era a mesma paisagem, a mesma terra, o mesmo continente, o mesmo país!

O que estou querendo dizer é que os valores que nós realmente acreditamos são sufocados por outros que pressionam e mantém uma certa ordem que por objetivo maior nos manipula. Não existe o devido tempo de assimilação natural do que é novo, essa assimilação nos vem estabelecida e "mastigada".

Tivemos que botar nossas bikes num caminhão para atravessar o famoso Túnel del Cristo Redentor.

Interessante notar que tal reflexão só teve espaço devido ao fato da viagem ter sido feita com bicicletas. Quando se viaja de carro, avião ou trem por exemplo, a viagem se transforma em um TELE TRANSPORTE e a única coisa que pensamos é no destino final.

Acontece uma preparação inconsciente de que estamos indo para um lugar diferente e novo onde as coisas são muito distintas. Quando passamos pela alfândega por exemplo, não há nada mais agressivo e mantenedor da ordem estabelecida pelas fronteiras.

Chega-se em um local onde pessoas vestidas de militares te recebem pedindo documentos e perguntando o motivo da visita. A partir dessa relação confirmamos nossa "crença" de que estamos realmente chegando em um lugar novo totalmente diferente do de onde viemos. E isso não é natural...

É fruto da forma como encaramos as relações temporais em nosso dia-a-dia. É fruto da forma como se distancia um individuo do outro. É fruto da forma que utilizamos o automóvel hoje na cidade de São Paulo por exemplo.

Argentina

Parte argentina da viagem foi de certa forma sabotada por nós. Logo que cruzamos a fronteira para a pacata cidade de Santo Tomé nos deparamos com uma paisagem extremamente plana. O extremo calor que nos acompanhou desde o início do planalto gaúcho se mostrou agora mais forte nos campos argentinos. De Santo Tomé até Paso de Los Libres foram 210 km totalmente planos com pouquíssimos pueblos e demasiado calor.

Saiamos de lugar nenhum, pedalávamos o dia inteiro e chagávamos em um outro pueblo perdido no tempo onde o comedor local abria ao meio dia e fechava a uma da tarde. Na mercearia não tinha praticamente nada e a perspectiva de mudança na paisagem estava muito distante.

Aduana Argentina - Chile (Los Andes - Chile)

Quando perguntamos a um argentino local se tal planície iria nos acompanhar até muito longe ele respondeu que só iria melhorar nas cercanias da província de Córdoba. Pensando bastante refletimos e pegamos um ônibus de Paso de Los Libres até a simpática cidade de Córdoba. Alguns quilômetros que ficarão para uma próxima jornada.

A província de Córdoba é realmente muito interessante e pudemos aproveitá-la bem, devido ao adiantamento temporal que ganhamos com o trecho percorrido de ônibus. A grande atração da província são as Sierras. E estas são, grosso modo, duas. A que passa pelo pueblo de Ascochinga e termina em La Cumbre e a do Parque nacional El Condorito.

A segunda sierra é bem mais alta e mais extensa. Como é asfaltada o movimento de carros é mais intenso. São trechos que exigiram bastante fôlego e renderam lindas paisagens. Principalmente para a região que fica entre as duas serras que por ser bem habitada tem bastante opção para conseguir água ou boas frutas.

Os famosos Caracoles chilenos. Por alguma ironia do destino o transito foi bloqueado nos dois sentidos.

Região essa que termina na cidade de Carlos Paz, uma espécie de retiro veraneio dos habitantes da capital, Córdoba. São 65 km que ligam Carlos Paz até o topo da serra do parque nacional. E para descer, 70 lindos kms até simpática cidade de Mina Clavero. Cruzamos a província de Cordoba e chagamos a San Luis, que é a província que já faz fronteira com Mendoza, região das montanhas andinas. O caminho que nos levou até Mendoza, principalmente após a cidade de San Luis foi bastante monótono. Salvo pela região entre o início da província de San Luis até sua capital. Ótimas estradas com pouco movimento e muitos pueblos com cerveja e azeite de oliva caseiros. A chegada em Mendoza foi bastante simbólica porque essa parte da viagem já era algo fora de nossas expectativas. Nunca pensamos que iríamos chegar tão longe, é uma cidade turística, as pessoas vão de avião até lá! Me parece um pouco estranho essa idéia de chegar tão longe de bike. Incrível como realmente é possível.

Colhendo pêssegos na Cercania de Lay-Lay (Valparaiso - Chile)

Os Andes

O que sempre foi nosso desafio maior, atravessar os Andes, acabou se mostrando menos difícil do que tínhamos imaginado. Da cidade de Mendoza são aproximadamente 100km até o topo dos Andes, o pueblo de Las Cuevas, que fica a 3.400 metros a cima do nível do mar. Demoramos três dias para chegar até lá, é uma subida bem gradual então acaba-se nem sentindo muita dificuldade.

Algo que já tinha pesquisado sobre essa estrada é que a travessia para o Chile, através do túnel do Cristo Redentor, é feito por um caminhão. Dessa forma, quando chegamos na boca do túnel o oficial da aduana confirmou o esperado e falou que tínhamos que colocar as bicicletas num caminhão. Colocamos as bikes na carreta e atravessamos pro Chile. Ai vem a melhor parte, Los Caracoles. É algo que ja tinha visto em alguns relatos de viagens e esperava há muito tempo. É uma descida extremamente íngreme e sinuosa. Uma curva atrás da outra, parece uma escada. A estrada estava em obras e por algum motivo do acaso o trânsito foi bloqueado e nós descemos sem nenhum carro ou caminhão. A descida continua até o Pueblo de Los Andes e segue plano até Valparaiso, ja na costa chilena.

Chegada ao Pacífico

Chegar no oceano Pacífico depois de ter pedalado quase 3.000km foi muito recompensador. Era muita satisfação. Tínhamos concluído o planejado, atravessamos o continente. O chegar se misturou com o ir que por sua vez se mesclou ao partir. Não tínhamos mais para onde ir... Era o fim. Pode-se dizer que a bicicleta desempenha papel fundamental na construção de um senso crítico do homem moderno. Viagens de bicicleta intensificam tal senso. usá-la no dia-a-dia também. A combinação de ambos, mais ainda.

Nossa primeira visão do oceano pacífico.

Dicas e dados técnicos

  • Pedalamos com MTBs simples. Bicicletas de 21 e 24 marchas. Todos de aro 26 e pneu misto para poder pegar estradas de terra. A bike do Max era de cromo e as outras de alumínio. Ninguém de sapatilha e só um de firma-pé.

  • Digo é vegetariano e portanto mantivemos em boa parte da viagem uma ótima alimentação. A base de PTS (proteína texturizada de soja), arroz, lentilha, muitos legumes, ovos, macarrão e muita, muita sardinha. Levamos uma espiriteira a álcool, panelas e pratos. No Brasil conseguíamos álcool nos postos de gasolina, mas na Argentina e no Chile comprávamos no mercado.

  • Cada um levou um saco de dormir, isolante térmico e foram duas barracas. Pouquíssimas roupas. Dois shorts de pedalar de lycra e duas camisas dri-fit.

  • Eu e Diogo estávamos com bagageiro dianteiro, instalado com a famosa gambiarra brasileira. As bicicletas pesavam em torno de 35kg. Muito suporte para água, cada um levava em média 3 litros na bike.

  • Quase nunca pagávamos para dormir, somente em Córdoba e Mendoza que nos hospedamos em albergue. Geralmente parávamos em alguma casinha ou pequeno comércio na beira da estrada e perguntávamos se podíamos armar a barraca ali perto. O pessoal era bastante amigável e simpatizavam com o fato de estarmos viajando de bike. Postos de gasolina, pedágios, polícia e bombeiros também nos alojaram algumas vezes. Basta querer, não é necessário muito preparo. Saia pedalando que em algum lugar se chega. Comece a viagem na porta de casa, isso é fundamental para maior reflexão durante a travessia. Encare a viagem como uma jornada e não como um desafio a ser vencido. Prepare-se pra trocar muito pneu. Se nós conseguimos, qualquer um consegue.

Finalmente o encontro com o Pacífico. 41 dias de pedal e quase 3000km Vina del Mar (Valparaiso - Chile)


Guilherme Farkas - Estudante de cinema, mora na cidade de São Paulo desde que nasceu e tem se apaixonado cada vez mais pela bicicleta. Começou a pedalar devido ao trânsito caótico da sua cidade e por não acreditar no carro como solução hegemônica para deslocamentos urbanos. Comprou uma Caloi 100 e imediatamente incorporou o novo modal de transporte no seu dia-a-dia. Acabou se envolvendo com o pessoal da Massa Crítica de São Paulo e criando amor pela bicicleta. Essa viagem foi sua primeira experiência com cicloturismo e pode dizer que esta viciado.

Guilherme Farkas Diogo Costa Max David Yamauchi Mansur Levy Paulo Costa Pereira Neto

 

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