20° Diário - 10 de janeiro de 2003
Laos
Olá amigos!
Acabamos de atravessar Laos. Das montanhas de Udom Xai seguimos para o sul até encontrar novamente o rio Mekong na capital Vientiane. Depois passamos novamente pela Tailândia (Natal e Ano Novo) e agora estamos começando a rota pelo interessante Camboja.
De Luang Prabang seguimos pela estrada que liga a China e o norte do Vietnã à capital de Laos. Apesar da importância da estrada a sua qualidade não mudou muito. Seguimos sem muitas regalias de hotéis ou restaurantes, comendo e dormindo em locais muito simples.
A rota Luang Prabang - Vientiane foi publicada no famoso guia de viagem Lonely Planet em um livro especial para ciclistas. Essa rota foi onde encontrei a maior concentração de ciclistas durante toda a viagem. Chegamos a encontrar mais de 30 num mesmo dia! É impressionante como os guias de viagem modificam o turismo, tanto para ciclistas como para "mochileiros". O Lonely Planet é o guia mais conhecido e é utilizado praticamente como uma bíblia. Seguindo as dicas desses guias, a grande maioria dos turistas visita somente três cidades em Laos - Luang Prabang, Vang Vieng e Vientiane - o que é uma pena pois perdem a grande beleza do país que está nas pequenas aldeias entre as cidades.
Laos foi fechado para o turismo até poucos anos atrás. A abertura veio com a necessidade do dinheiro trazido por essa indústria. No entanto a interferência cultural é explícita. A cultura milenar desses povos pode (e vai) se transformar em poucos anos. Para evitar que as mulheres tomem o mesmo caminho de prostituição da vizinha Tailândia, o governo proíbe o relacionamento sexual com estrangeiros - se a mulher for flagrada com um turista ela é presa.
É difícil falar sobre os problemas causados pelos turismo pois de alguma forma também faço parte dessa destruição. Seja de bicicleta, mochila, avião, a pé ou a cavalo seremos sempre uma referência de um mundo diferente para essas delicadas culturas. O importante é ter consciência dessa interferência e fazer disso uma forma de melhorar ou não modificar a vida nessas comunidades - e seguramente droga e prostituição não são as melhores interferências.
Geralmente a vida nas montanhas é muito mais difícil e pobre que na planície, onde a agricultura é mais fácil. As montanhas são a região dos laboratórios de heroína controlados pelas tribos Hmong.
Logicamente o turismo é mal vindo e uma câmara fotográfica pode ser motivo de muito problema. Percebemos ali um ambiente estranho e até as crianças que sempre nos cumprimentam nos olhavam em silêncio. As tribos das montanhas que não cultivam ópio vivem na miséria e muitos fazem do desmatamento sua única fonte de renda.
De Luang Prabang saímos da beira do rio Mekong e fomos atravessar as últimas montanhas do norte de Laos (Kiu Kachan, Phou Khoun e Kasi) com paisagens fantásticas. Depois descemos para Vang Vieng e voltamos para o calor da planície no sul do país.
Vang Vieng foi inicialmente um posto militar francês, circundada pelo rio Song, onde chineses iniciaram o comércio na década de 40. A sensação até hoje é de uma cidade criada para e por estrangeiros.
De Vang Vieng seguimos para Vientiane, a capital de Laos. A cidade possui muitas características da ex-metrópole França. A avenida principal possui seu glamouroso Arco do Triunfo e, guardadas as devidas proporções, é ali a Champs-Elysées do sudeste asiático. Andando pelas ruas encontramos Coiffeur, Vins de France e tomamos café da manhã comendo pão francês e queijo La vache que rit. C'est la crème de la crème de la décadence avec élégance!
Além de passar pela capital de Laos o grande rio Mekong percorre 3,5 mil quilômetros em todo seu percurso e banha uma área maior que a França. Ele é o maior rio da região e um dos poucos no mundo que ainda não foram degradados por indústrias e barragens. O futuro da bacia hidrográfica do rio Mekong está sendo pauta de discussão entre as autoridades de todo sudeste asiático. O principal assunto é o projeto de vinte e nove represas que geraria energia e irrigaria plantações de arroz. O projeto sofre por um lado a pressão das empresas dos tigres asiáticos que necessitam dessa energia e por outro lado a pressão dos ambientalistas que lutam para evitar o desastre ecológico que a inundação geraria.
Muitos problemas nutricionais poderiam ser minimizados com conhecimentos básicos de agricultura, pecuária e piscicultura. O país possui boa terra, bom rio e bom clima, mas não possui alimento para o auto-sustento. Agricultores fazem os pré-históricos desmatamentos e queimadas para plantarem e usam grandes quantidades de inseticida DDT que já foi praticamente abolido no resto do mundo. Em alguns rios vimos pesca com tarrafas onde retiram alevinos (filhotes de peixes) com menos de 4cm de comprimento e praticamente já não existem peixes adultos. O semelhante ocorre com os pássaros. Não existe ecossistema que resista.
O caso de Laos pode servir de exemplo para os nossos "sem-terra" do Brasil. Laos deixa claro que apenas ter terra não resolve o problema de ninguém. Aqui vivem muitos "com-terra" mas sem tecnologia, sementes, determinação... e "com-fome".
Encontrei um médico e conversamos sobre a desnutrição na região. Perguntei o porquê dos laosianos não tomarem leite apesar de criarem algumas vacas. Ele explicou que o ser humano é o único mamífero que toma leite depois da amamentação e isso não é "normal" para o nosso organismo. Ele explicou que, no mundo, os únicos humanos que se adaptaram para absorver os alimentos lácteos foram os indoeuropeus que já bebem leite há dezenas de milhares de anos. Fiquei "encucado" com a questão e fui pedir mais informação para o conterrâneo Dr. Sergio Pena, que é especialista no assunto.
"Argus, o seu amigo do Laos está absolutamente correto. Para digestão do açúcar do leite, lactose, necessitamos de uma enzima própria chamada lactase. Em todos os mamíferos e também nos primeiros humanos (que emergiram na África) a produção da enzima lactase no intestino não continua após o desmame. Quando o gado foi domesticado por um grupo humano que havia migrado para a Europa, houve seleção para persistência da produção da enzima lactase, permitindo então a ingestão do leite de vaca como alimento. " Prof. Dr. Sergio D.J. Pena - Departamento de Bioquímica e Imunologia - Universidade Federal de Minas Gerais.
Apesar dos problemas de desnutrição, tráfico e pobreza em geral, Laos é um local seguro e possui um povo muito simpático. Foi um país que não estava na minha rota e fiquei muito feliz por tê-lo incluído. Ficará na lembrança a criançada correndo atrás da bicicleta, gritando "sabadi" e jogando futebol com bolas de bambu.
De Vientiane cruzamos a fronteira para Tailândia pela ponte do rio Mekong ("ponte da Aids" que comentei num relatório anterior) e fomos para Nong Khai.
Nong Khai é uma cidade tailandesa que funciona como uma segunda capital de Laos. Seus hospitais fazem propaganda do serviço que prestam em toda a fronteira com Laos e grande parte das lojas de eletrônicos e afins abastecem a população do ainda desprovido país vizinho.
Resolvemos passar o Natal e Ano Novo num local turístico para dividir a festa com os companheiros ocidentais. Escolhemos a ilha de Ko Chang, perto de Bangkok, e descemos de trem para não perdermos a festa. No país do budismo o Natal só foi lembrado por nós turistas. Fizemos uma festa na praia e a única coisa que autenticou a data foi um Papai Noel bêbado que quase se afogou no mar. No Ano Novo a ilha ficou cheia de turistas e tailandeses, novamente fizemos uma festa na praia. Atravessamos o ano ao som de "all we need is love" com fogos de artifício, show de malabarismo e muita esperança.
Da ilha fomos para Camboja. Um país com uma história impressionante que deixarei para escrever no próximo relatório.
Grande abraço e até a próxima,
Argus
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