O Brasil na rota do cicloturismo internacional

Carlos André, Clube de Cicloturismo, fala dos esportistas e viajantes que os cicloturistas encontram em meio às suas viagens.

O que poderiam ter em comum um nepalês, um japonês e dois iranianos?

Pushkar e a primeira bicicleta que utilizou na viagem. Crédito: Carlos André/ Clube do Cicloturismo

A resposta é uma só: todos incluíram o Brasil como passagem obrigatória em suas cicloviagens ao redor do mundo. O curioso é que nenhum deles, apesar de terem cruzado as estradas brasileiras praticamente no mesmo período do ano, tinha ouvido falar do outro. Coisas de um país de dimensões continentais como o nosso.

Mas, por outro lado, os três acabaram, de uma maneira ou de outra, cruzando o meu caminho. O primeiro que encontrei foi o nepalês Pushkar Shah. Como é da tradição do cicloturismo, o encontro foi totalmente espontâneo, em uma movimentada via de um bairro da zona sul carioca.

Pushkar vinha pedalando noite adentro em uma bicicleta carregadíssima. Demos de cara um com o outro. Pedi que ele parasse para matar minha curiosidade com dezenas de perguntas. Mas logo lembrei da minha viagem e do batalhão de perguntas que recebia diariamente, muitas vezes em situações inadequadas. Achei melhor ajudá-lo do que seguir naquele questionário.

Pushkar Shah no Rio de Janeiro Crédito: Carlos André/ Clube do Cicloturismo

 

Era o sexto ano ininterrupto de uma viagem ao redor do planeta. Uma viagem prevista para 11 anos!!! Pushkar se dirigia para o centro da cidade, um hábito muito comum entre cicloturistas: o de procurar o coração da cidade. Mas no Rio isso não é um bom negócio. O centro é uma região desabitada e arriscada para alguém que acaba de chegar e não fala a nossa língua. Rapidamente o demovi da idéia e o acompanhei até um albergue vizinho de minha casa.

O local era perfeito para ele, não só estava em um bairro estratégico (Botafogo), próximo das regiões de interesse turístico, como também do metrô e de uma boa rede de estabelecimentos comerciais. Depois de uma breve negociação, o albergue ainda o concedeu a estadia como cortesia. Coisa que cicloturista adora!

Cicloturistas do Nepal e do Japão

O japonês Daisuke Nakanishi, um economista de Osaka, chegou no dia de partida de Pushkar Shah. Daisuke já era esperado. Vinha sendo monitorado e auxiliado por ciclistas de diversas cidades brasileiras através de uma lista de discussões na internet. No Rio ficou na casa de Mauro Caldas, um amante das bicicletas que ainda mantém em casa uma Caloi 10 clássica em perfeito estado de conservação.

Daisuke Nakanishi Crédito: Arquivo pessoal

 

 

Ajeitamos o encontro dos dois, que ficaram surpresos de terem passado pelos mesmos lugares, em mesma data, e sequer ouvir um relato ou comentário sobre o outro. O encontro durou apenas duas horas, o suficiente para trocar experiências, curiosidades e dicas, outra tradição no cicloturismo: a camaradagem.

Com o nepalês Pushkar de volta às estradas, ou melhor, aos ares, já que tomou um avião para Miami, de onde seguiria para o continente africano, foi a vez de apresentar o Rio ao japonês Daisuke, que já havia cruzado a África. Daisuke, apesar da timidez nipônica, era uma figura muito simpática e divertida, principalmente depois de uma caipirinha. Sua história era bem parecida com a do nepalês, viajava há quase cinco anos pelo mundo.

Daisuke Nakanishi do Japão Crédito: Arquivo pessoal

Para realizar sua viagem, Daisuke trabalhou duro durante seis anos até juntar uma boa quantia em dinheiro que o mantivesse na estrada por três anos. Como se vê, os planos de Daisuke foram em muito superados. Para estender a viagem, ele teve que controlar as economias ao máximo.

Aliás aqui temos um paradoxo que garante ao cicloturismo um status universal: ao contrário do colega japonês, Pushkar Shah iniciou sua viagem com apenas U$1,50 no bolso. Ou seja, quando se quer, nada nos impede. Principalmente de bicicleta.


Lugares por onde Daisuke passou no Brasil Crédito: Arquivo pessoal

Daisuke, que já havia escalado o Kilimanjaro, na África, e o Aconcágua, na Argentina, teve uma baita experiência ao escalar o Pão de Açúcar. Nas anteriores, o trajeto tinha sido cumprido basicamente através de caminhadas, mas no cartão-postal carioca a subida teve que ser feita pela pedra. Sofremos, mas chegamos ao topo. E o melhor, na descida tínhamos o bondinho.

Hassan e Amir: colegas iranianos no Rio Crédito: Carlos André/ Clube do Cicloturismo
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    O Pão de Açúcar seria também o ponto de encontro de mais dois cicloturistas. Algumas semanas depois da partida de Daisuke em direção à Belo Horizonte, de onde desceria até Foz do Iguaçú e depois Paraguai, cruzei com Hassan e Amir, dois iranianos.

    Encontrei eles na ciclovia do Aterro do Flamengo enquanto tiravam um auto-retrato com o Pão de Açúcar ao fundo. Que viajar de bicicleta é uma atividade popular em países da Europa, EUA ou Japão, isso seria relativamente previsível, mas encontrar dois iranianos viajando pelo mundo em bicicletas realmente ampliou meu horizonte sobre a popularidade do cicloturismo mundo afora.

    Mensagem iraniana Crédito: Arquivo pessoal
  • Hassan e Amir também traziam consigo histórias parecidas com as de Daisuke e Pushkar, histórias recorrentes como de dormidas em locais exóticos, encontros inusitados e enrascadas divertidas, mostrando que viajar de bicicleta não é apenas uma opção por um veículo específico, mas sim por um estilo de viagem, despojada, aventureira e exposta aos elementos.

Rota do Cicloturismo


    • Californianos Crédito: Carlos André/ Clube de Cicloturismo

    Encontrar com estes cicloturistas em tão pouco tempo mostra que o Brasil é um país chave na rota do cicloturismo internacional. Nenhum deles veio ao Brasil por acaso, todos escolheram nosso país pelas belezas naturais, pela cultura e pelo povo.

    Todos levaram boas recordações, principalmente no quesito solidariedade, elemento fundamental em viagens de bicicleta. Daqui cada qual seguiu seu destino e agora, enquanto você lê este artigo, estão em algum ponto do planeta suando sobre o selim de uma magrela, trocando marchas para melhorar o rendimento ou mesmo consertando mais um furo na câmara de ar.

    Talvez desta vez alguns deles se encontrem pelas estradas. O nepalês Pushkar Shah seguiu para o norte da África e iria descer até a África do Sul. Amir e Hassan estão fazendo a rota inversa: do Rio de Janeiro seguiram para São Paulo onde embarcaram para a África do Sul.

    Quem sabe se encontrem no meio do caminho? A resposta só mesmo o destino decidirá, pois ele é quem comanda as viagens de bicicleta. A surpresa e a flexibilidade dos caminhos a seguir são o grande barato do cicloturismo.

    Nota do autor: Daisuke seguiu, depois do Paraguai, para a Argentina e Chile. Para ler as entrevistas de Carlos André com Pushkar e Daisuke, acesse o site www.clubedecicloturismo.com.br.

    Para saber mais:

    Pushkar: www.pushkarshah.com Daisuke: http://home.att.ne.jp/orange/Toshi/ Iranianos: www.pedal4peace.com

    * Carlos André Ferreira: Jornalista e fotógrafo, autor do recém lançado livro Avenida das Américas – uma viagem de bicicleta pela América Latina. Para outras informações, acesse https://cicloamericas.wordpress.com