| Por: Rodrigo Telles - Clube de Cicloturismo do Brasil |
Conhecer, escolher ou montar uma bicicleta voltada para o cicloturismo ainda é algo pouco conhecido e pensado no Brasil. Quando falamos de bicicleta para cicloturismo temos a tendência de nos inspirar na longa tradição do ciclismo e também do cicloturismo europeu. Porém, nem tudo que vem de lá se encaixa bem aqui. Por exemplo, a bicicleta de cicloturismo europeia (e também da América do Norte) conhecida como touring bike é pensada para viagens em ciclovias ou estradas asfaltadas em boas condições. Eles têm essa estrutura lá. Nossa realidade aqui é muito diferente. O cicloturismo em nosso país só passou a ter importância há algumas décadas com a chegada das bicicletas mountain bikes. Essas sim se adaptaram perfeitamente às nossas condições. Os caminhos mais bonitos, os melhores percursos, os mais seguros são estradinhas de terra ou estradas secundárias, na sua maioria por relevos irregulares. Esse é nosso maior potencial e o cicloturista brasileiro já percebeu isso.
Portanto temos que estar preparados para atender essa demanda. E aqui surge uma questão para refletirmos. Se por um lado a mountain bike vai bem em qualquer roteiro que temos no Brasil, por outro o cicloturista quer uma bicicleta mais confortável. Ele passa horas por dia pedalando e por vezes dias seguidos. Não tem nenhuma pressa de chegar, mas precisa estar sempre com o corpo em bom estado, sem dores ou cansaço excessivo. Grande parte das mountain bikes que o mercado oferece são voltadas para desempenho, performance. O posicionamento talvez seja a maior diferença. Para se sentir mais confortável, normalmente os viajantes costumam aumentar a altura da mesa ou do guidão para pedalar com o corpo mais ereto. Selins mais confortáveis também são uma providência inicial nas adaptações feitas. Ou seja, é necessário adaptar uma bicicleta para poder praticar a atividade.
Já para escolher dentre os tipos de mountain bikes o ciclista sofre um grande dilema, que é a questão do tamanho das rodas. Quando se pratica o ciclismo por esporte ou passeios de um dia, é normal contar com algum tipo de apoio ou resgate se necessário. E ao retornar para casa o ciclista tem à disposição lojas completas para atendê-lo nas necessidades. Já nas viagens autônomas, que crescem muito no Brasil e no mundo, o ciclista conta apenas com a estrutura do local por onde está passando. O cenário que temos atualmente é de uma mudança muito rápida do tamanho de roda 26” para o 29” (ou 27,5”) no mercado e nas lojas geralmente localizadas em cidades maiores. Ao mesmo tempo o restante do país pedala com rodas 26” e se você estiver numa cidadezinha do nosso interior e precisar de uma câmera ou de um pneu só vai encontrar desse tamanho. Isso seguirá por muito tempo, as bicicletas 26” não vão sumir de repente e nem deve ser o objetivo. Então independentemente das diferenças técnicas, o cicloturista tem a tendência de apostar nesse tamanho de roda para estar mais amparado quando vai se aventurar por lugares mais ermos. Porém a mudança foi tão brusca que quem pretende ter uma mountain bike de qualidade com roda 26” está tendo dificuldades. Mais uma vez estamos falando de uma parcela do público desamparada.
Outra questão importante é com relação aos quadros atuais. Para levar a bagagem o viajante normalmente instala um bagageiro e coloca um par de alforjes (bolsas laterais) nele. Este procedimento também está se tornando mais difícil. Cada vez menos quadros vêm munidos de furações para essa função. Adaptações são feitas como colocar abraçadeiras, por exemplo. Mas sempre são adaptações. Também é preciso ter atenção com os freios. Muitos cicloturistas optam pela simplicidade e facilidade de manutenção, por isso utilizam os V-Brakes, porém é cada vez mais raro encontrar quadros com esta opção e peças de qualidade para este tipo de freio.
O número de brasileiros que estão levando a sério esta atividade e investindo nela só cresce. Ao não encontrar o que desejam aqui no país vão fazer todos os esforços para trazer de fora. Sim, no exterior é possível comprar uma bicicleta perfeita para o cicloturismo aqui do Brasil e muitas pessoas estão buscando fora. O setor brasileiro de bicicletas vem timidamente despertando para este segmento, mas ainda não sabe bem o que oferecer e como trabalhar. Talvez o volume de comércio ainda não seja tão grande quanto nas outras modalidades, mas é um círculo virtuoso, o cicloturismo vai crescer a medida que tivermos mais produtos específicos além de vendedores, lojistas e empresas capacitados e conhecendo o cicloturismo no Brasil.
Alguns distribuidores e lojas online já perceberam isso e tem atendido este público. É importante que todo o mercado fique atento para não deixar uma parte significativa e crescente do público sem atenção. A diversidade de produtos e bicicletas aumenta o alcance para outros nichos. No próximo artigo iremos abordar os diversos tipos de bicicleta que podem ser utilizados no cicloturismo.
Publicado originalmente em parceria do Clube com a Aliança Bike em 24/10/2016:
http://www.aliancabike.org.br/noticia.php?id_news=144