O projeto Pedalando e Educando, do mineiro Argus Saturnino, consiste em servir de incentivo e produzir material de estudo para milhares de estudantes do Brasil. Os boletins por ele produzidos vão para as escolas através da internet ou de jornaizinhos. Argus está desde dezembro do ano passado na estrada. Ele saiu de Minas Gerais, sua terra natal, atravessou a Serra da Canastra, foi para o Mato Grosso do Sul, onde passou por Bonito e teve a oportunidade de pedalar pelo Pantanal. Lá teve contato com índios do local. Na Bolívia visitou locais muito importantes histórica e culturalmente, porém na sua maioria extremamente pobres. Subiu o altiplano boliviano passando a pedalar a mais de 4.000m de altitude. Lá o frio e o vento aumentaram as suas dificuldades. Conheceu as culturas indígenas antiqüíssimas da região do lago Titicaca e agora está pedalando no Peru.
Clube - Onde você está agora?
Em Chalhuanca, um pequeno povoado a beira do rio Apurimac, no caminho de Cuzco a Nazca, Peru.
Clube - Você passou por alguma situação estranha ou engraçada até aqui?
Várias vezes passei por situações inusitadas e algumas tragicômicas. No Brasil, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, por várias vezes me empanturrei de comida quando passei por locais onde todos me convidavam (quase intimavam) a comer com eles. Nas aldeias indígenas do Mato Grosso do Sul é parte da tradição conhecer todos os caciques por onde passa e aí também quase morri de tanto tomar tereré, chá gelado muito comum na região, quando passei um dia inteiro para percorrer trinta quilômetros parando em quase todas as casas. Em Samaipata tive de invadir um hotel para dormir, pois não tinha ninguém para recepcionar e não havia outro lugar para ficar.
Clube - Há alguma diferença marcante para você de estar pedalando dentro ou fora do Brasil?
Sim, muita. No Brasil fiquei muitas vezes em casas de famílias. Na Bolívia e no Peru as pessoas são muito gentis, mas é mais difícil que te recebam dentro de suas casas. Sempre carreguei uma bandeira brasileira e uma do país por onde passo, isso faz com que as pessoas me identifiquem e o Brasil é muito bem visto em todos os lugares. Muitos cumprimentam e perguntam pela seleção brasileira, Romário, etc. Acho que sentirei uma diferença maior quando sair da América do Sul. No nosso continente tudo é mais fácil - língua, costumes, etc. Falo espanhol e isso ajuda a me sentir em casa.
Clube - Qual está sendo, ou foi, a maior dificuldade nesta primeira etapa da sua jornada?
O maior desafio de uma viagem como essa é conseguir patrocínios, que até agora me faltam. Hoje conto com o patrocínio da Cultura Inglesa e os apoios da Atex lajes nervuradas, BHZ Arquitetura, SOL Serviços On Line, Aliança Francesa, Prudential Bradesco Seguros, Telemig Celular e Rotary Club. Pedalar é a parte fácil da viagem, planejar, colocar no papel e sair de empresa em empresa tentando vender que é a parte difícil. O projeto Pedalando e Educando me dá muito trabalho e gostaria de poder estar fazendo muito mais. No site várias pessoas estão cadastrando e não estou podendo dar atenção. Gostaria de estar seguindo melhor os trabalhos nas escolas. Infelizmente não estou conseguindo enviar todos emails que gostaria e nem sempre consigo acesso à internet. As dificuldades cotidianas são poucas. No pantanal fiquei desidratado e com febre por três dias e no Peru um caminhão me jogou para fora da estrada e torci a mão e me esfolei um pouco. Hoje estou com equipamentos muito simples e às vezes tenho problemas com a bicicleta, meu bagageiro frontal quebrou e tive de fazer um no meio do caminho; minha roda traseira foi trocada duas vezes; meu alforje rasgou em vários lugares; etc. Mas tudo isso já estava previsto, pois quando saí sabia que estava com equipamentos que não resistiriam. Minha idéia é conseguir os patrocínios que faltam e comprar equipamentos melhores na Austrália.
Clube - Você acha que o fato de estar coletando informações para mandar para as escolas do projeto Pedalando e Educando altera de alguma forma sua viagem de bicicleta?
O projeto Pedalando e Educando é o combustível mental da minha viagem. Fico muito feliz quando vejo que as escolas estão participando e que estou podendo contribuir de alguma forma. Para realizar o projeto tive, tenho e terei muito trabalho. A cada quinze dias aproximadamente envio fotos e textos que sempre busco me basear em fontes seguras, isso faz com que dedique algum tempo pesquisando e coletando os dados (algo que faço com muito prazer). Além do tempo de pesquisa também gasto um tempo considerável enviando o material por internet e muitas vezes (quase sempre) dá algum problema. Penso que se não tivesse o projeto minha viagem perderia o sentido.
Clube - Muitos cicloturistas afirmam que a bicicleta faz com que eles sejam bem recebidos nos lugares. Você verifica isso? Existe diferença nesse sentido entre o Brasil e a Bolívia, o primeiro país estrangeiro por onde você passou na viagem?
Claro. A bicicleta é um instrumento incrível para aproximar as pessoas, principalmente crianças. No Brasil muitas vezes me pararam na estrada para dar comida, água, balas, etc. A bicicleta faz com que as pessoas aproximem para conversar e é muito comum que essa conversa se transforme em amizade. Quando chego em algum lugar de bicicleta as pessoas dão um valor especial porque sabem que você se esforçou para conhecer o local onde vivem. Tanto no Brasil como na Bolívia e Peru viajar de bicicleta é algo ainda muito raro. As pessoas não estão acostumadas a ver uma bicicleta cheia de bagagens passando pelas estradas e sempre param para conversar e saber detalhes da aventura.
Clube - O fato de você ter um projeto de educação também interfere de alguma forma nessa receptividade?
Quando me apresento formalmente para alguma instituição o projeto ajuda muito. Quase sempre consigo acesso a livros e materiais interessantes. No dia a dia não falo sobre o projeto. Encontro com as pessoas e falo sobre a viagem, os locais que visitei e respondo as perguntas que normalmente me fazem: E se o pneu furar? Como você faz para dormir? De onde vem? Para onde vai? Não cansa? Etc.
Clube - Você já está longe de casa há alguns meses. Como encara a perspectiva de ficar por mais um longo tempo em viagem?
Faz cinco meses que estou viajando e tenho planos para ficar dois anos e meio viajando. Alguns momentos a saudade da família e dos amigos bate forte, mas a vontade de realizar a viagem supera tudo. Até agora estou bastante contente com tudo e espero que eu fique assim até o final.