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Entrevista: Pushkar Shah - Cicloturista peIa paz

Pushkar Shah é um nepalês de 35 anos que está viajando pelo mundo de bicicleta há cinco anos e já passou por 60 países. Isso já o faria um admirável aventureiro, mas Pushkar está apenas na metade de sua jornada. Segundo seus planos, ele ainda tem mais quatro anos pela frente e quase uma centena de países a visitar. Ou seja, vai ficar 11 anos viajando!! No Brasil ele esteve em Uruguaiana, Foz do Iguaçu, São Paulo e Rio de Janeiro, de onde embarcou para a África. O encontrei pedalando pelas ruas do Rio. Não sabia muito bem para onde ir e eu o ajudei a se instalar em um albergue da juventude no bairro onde moro, que lhe cedeu a estadia. Pushkar me concedeu esta entrevista aos pés do Pão de Açúcar, na Praia Vermelha. Ele me contou um pouco sobre sua viagem, os motivos que o levaram a sair pelo mundo, as aventuras por que passou e até o seqüestro que sofreu no México.Papo de cicloturista para cicloturista.

Urca Uma foto em um dos cenários mais conhecidos do Brasil não poderia ficar de fora do álbum de Pushkar.É verdade que você viu pela primeira vez uma bicicleta aos 21 anos de idade?
Pushkar - Eu nasci em uma pequena aldeia no interior do Nepal onde mal existiam ruas, não existia televisão e muito menos eletricidade, nem mesmo telefone. Foi só quando me mudei para Katmandu para cursar a universidade que pude ver como era uma bicicleta. 

Caribe e Rocky Mountains Pushkar já esteve com sua bicicleta nos extremos deste planeta. Seja em praias caribenhas ou nas gélidas Montanhas Rochosas, no Canadá, lá vai ele com sua bicicleta.

Essa é sua primeira viagem de bicicleta?
Pushkar - Esta é minha primeira viagem de bicicleta, aliás, esta foi a primeira vez que saí do meu país.

Quanto tempo levou para planejá-la?
Pushkar - O planejamento levou dois anos onde pude estudar um pouco da história dos países por onde iria passar, pesquisar sobre as condições climáticas de cada região, situação das estradas, alimentação, tudo o que pudesse influir no andamento e no rendimento, incluindo manutenção de bicicletas e condicionamento físico.

Você divulga que sua viagem é uma jornada pela Paz. Porquê a bicicleta?
Pushkar - Eu queria levar uma mensagem de paz para todo o mundo, uma mensagem contra as guerras, contra o terrorismo. Neste momento diversos conflitos se espalham pelo planeta, sejam de caráter político, religioso ou mesmo étnicos. A Terra não está em boas condições, a Paz vem perdendo espaço no mundo. Portanto precisamos trabalhar pela paz, buscar a paz em cada maneira, por isso decidi ser este mensageiro da paz levando esta mensagem porta-a-porta. A bicicleta é um veículo simples, ela me leva a todos os lugares sem exigir muito dinheiro. A bicicleta é o veículo da Paz.

Ao longo destes 5 anos, as pessoas escutaram esta tua mensagem?
Pushkar - Um homem só não consegue mudar o mundo, acho que todos nós devemos ser mensageiros da Paz. Existe apenas um planeta, uma casa, uma família. Nós temos apenas um sol, uma lua e um único céu.

Você tem alguma religião?
Pushkar - Eu acredito apenas em uma religião: a religião dos homens. Existem muitas religiões que hoje brigam entre si pela verdade absoluta, gerando mais violência no mundo. Mas qual o sol que ilumina o Buda? Qual a lua vista por Jesus? Qual o céu de Maomé? Existe apenas um mundo. O alvorecer do dia é igual para todos.

Você passou por alguma região em conflito?
Pushkar - Eu cruzei o Paquistão e a Índia, estes dois países estão em guerra há muitos anos. No Sri Lanka o país estava em meio a uma guerra civil. A mesma situação no Timor Leste.

Em algum momento se sentiu ameaçado?
Pushkar - Eu não penso muito no amanhã, mas algumas vezes passei por situações em que fiquei com muito medo. No Timor Leste, por exemplo, onde tive a oportunidade de conhecer o Sérgio Vieira de Melo, a situação ainda era crítica. Ele me disse que em minhas pedaladas pelo país tomasse cuidado e que me mantivesse sempre perto das forças das Nações Unidas.

Trade Center O cicloturista nepalês talvez tenha tirado uma das últimas fotos do World Trade Center. Esta ele aparece no final da tarde do dia 10 de setembro de 2001.

Outro momento marcante de sua viagem foi a passagem por Nova Iorque. Como foi esse episódio?
Pushkar -  Cheguei em frente ao World Trade Center no final da tarde do dia 10 de setembro. Bati uma foto com uma das torres bem atrás de mim. No dia seguinte acordei já com a notícia e fiquei estarrecido. Vejam só que coisa, aqui estou eu, um jovem viajando pelo mundo em missão de paz, enquanto isso, outro jovem comanda este terrível atentado.

Em quanto países você já esteve?
Pushkar - Minha conta até agora está em 60. Já passei pela Tailândia, Camboja, Coréia do Sul, Japão, Indonésia, Samoa, Canada, EUA, Caribe, América Central e do Sul, entre outros tantos. Depois vou para a África, Oriente Médio e Europa, depois para a Rússia e países vizinhos. Descendo pela Rota da Seda chegarei ao Tibete e depois finalmente o Nepal novamente, em 2009. Chegarei aos 150 países visitados.

Há quanto tempo você está no Brasil?
Pushkar - Estou há um mês. Entrei por Uruguaiana e depois passei por Foz do Iguaçu, Cascavel, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Daqui sigo de avião para o continente africano.

O que achou de nosso país?
Pushkar - Gostei muito das paisagens que vi, muito verde. Conheci muitas pessoas e fiz bons amigos. Se pudesse ficaria mais para curtir o Carnaval, mas minha passagem já estava marcada e por conta da quantidade de turistas na cidade não pude remarcar. Talvez um dia eu volte.

Por que tipos de aventuras você já passou nesta viagem?

Pushkar - Eu fui seqüestrado no México.

Vieira de Melo No Timor Leste Pushkar teve a chance de conversar com o embaixador Sérgio Vieira de Melo, chefe da delegação da ONU naquele país. Melo viria a falecer no Iraque.Seqüestrado no México?! Como foi isso?
Pushkar - Eu estava descansando embaixo de uma árvore em uma estrada no norte do México quando um caminhão parou para me oferecer ajuda. Quando me aproximei fui agarrado e jogado para dentro da caçamba. Um deles colocou uma faca no meu pescoço. Depois disso fui levado para um local desconhecido e achei que algum tipo de negociação seria feita para pagar o meu resgate. Mas pelo nervosismo de um deles eu percebi que não se tratava de um seqüestro clássico mas sim de um roubo mesmo, foi aí que comecei a temer pela minha vida. Em certo momento me dei conta que apenas um dos bandidos estava de guarda e a única arma que ele tinha era uma faca. Decidi ir para o tudo ou nada e avancei contra ele. Brigamos durante alguns minutos, ele conseguiu me ferir nos braços mas nada que me impedisse de sair correndo pelo mato. Abandonei tudo para trás, bicicleta, equipamentos, dinheiro, tudo! Corri até encontrar um pequeno povoado onde chamei a polícia. Cinco dias depois todo o meu equipamento foi encontrado com o dono do caminhão pois eu tinha guardado a placa na memória. Foi um alívio e uma baita sorte!

Nos conte outras histórias de sua viagem.
Pushkar - Tenho várias histórias hilariantes também. Ao longo de todo este tempo já fui pedido em casamento cinco vezes. Uma em Hong-Kong, outra no Japão, também nos EUA, Cuba e Peru.

E no Brasil?
Pushkar - Aqui eu ganhei um anel de presente! (risos)

Você tem um filho no Nepal, como é viver tanto tempo longe dele e da sua família? Pushkar - Eu tenho muito saudade do meu filho, da minha família e amigos, mas em compensação eu conheço a cada dia uma nova família, novos amigos, novos países. Se você quer ganhar o mundo, tem que estar preparado para perder algumas coisas também.

Esta já é a sua segunda bicicleta, o que aconteceu com a primeira?
Pushkar - Minha primeira bicicleta foi roubada na Nova Zelândia. Eu estava proferindo uma palestra em uma escola e quando saí para mostrá-la a todos não a encontrei mais. Acabei sendo agraciado pelo Edmund Hilary (primeiro ocidental a escalar o Evereste) que soube da história e me comprou um novo equipamento.

Como é seu dia-a-dia na estrada?
Pushkar - Eu pedalo uma média de 100 km diários, dependendo das condições da estrada. O meu dia começa às 7 horas da manhã e não tenho um horário fixo para terminar. Pedalo umas 10 horas por dia. Como viajo sem muitos recursos financeiros, acabo dormindo sempre onde me oferecem abrigo, ou então durmo na barraca de camping que carrego. Durmo em delegacias de polícia, pontos de ônibus, corpo de bombeiros ou até mesmo na beira da estrada.

Hiroshima Em sua viagem pela Paz, Pushkar não poderia deixar de visitar o monumento aos mortos em Hiroshima, Japão, vítimas da bomba atômica lançada pelos EUA.É verdade que você começou sua viagem com apenas U$1,50 no bolso?
Pushkar - Minha mãe me deu 100 rupis nepaleses que eqüivalem a menos de dois dólares. Guardo até hoje estas notas. Depois disso cada dia foi um novo desafio para mim. Ao longo da viagem acabei trabalhando em alguns países como no Japão e nos Estados Unidos lavando pratos em restaurantes. Também sou membro do Lions Clube que vem me ajudando em vários países. Quais são seus planos para quando você terminar a viagem? Pushkar - Em 2010 vou escalar o Evereste e levar todas as bandeiras dos países por onde passei. Depois disso acho que vou estar muito cansado e pretendo voltar à minha aldeia para escrever um livro e me envolver com trabalhos sociais de desenvolvimento local em minha região

O que você diria para uma pessoa que está começando a pensar em uma viagem de bicicleta?
Pushkar - Vá em frente. Qualquer um pode viajar pelo mundo de bicicleta. É uma forma muito barata , simples e verdadeira. Mais informações sobre a viagem de Pushkar Shah em www.pushkarshah.com

Carlos André Ferreira é jornalista e autor do livro Avenida das Américas - uma viagem de bicicleta pela América Latina.