PEDALADA FEMININA POR QUATRO PAÍSES Brasil, Uruguai, Argentina e Chile
- Sozinha ?! Não tem medo? Foram as indagações que mais ouvi durante os 6.300km que percorri de bicicleta em cinco meses, por quatro países, Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. Meu filho Roberto, de 20 anos estava preocupado comigo por fazer, sozinha, uma viagem tão longa. Tentava tranqüilizá-lo argumentando que estamos expostos ao perigo em qualquer lugar e que mentalizar o que desejamos, como segurança, seria mais útil e tranqüilizador para nós dois.
Com o objetivo de fazer um trabalho de conscientização ambiental onde fosse necessário e possível e de aprender com as pessoas e situações que surgissem, parti de Torres em outubro de 2004 com 54kg entre a bike e a bagagem. Optei ir pela costa até Chuí onde o trânsito é tranqüilo e a paisagem bonita. Também pela costa cruzei o Uruguai. Até aqui o maior problema que enfrentei foi ter quebrado o já muito usado bagageiro traseiro, cerca de 20km de Montevidéu.
Mas o Anjo da Guarda havia providenciado dois ciclistas que conheci no caminho e que me auxiliaram num conserto provisório e pude chegar à capital uruguaia no dia seguinte para comprar outro bagageiro. De Montevidéu toquei até colônia onde peguei um navio para Buenos Aires. Aconselharam-me a não chegar e nem sair da capital Argentina de bike, pois seria roubada seguramente. Por que arriscar? De Buenos Aires peguei um ônibus até San Martin de los Andes, num trajeto de muitos quilômetros de deserto, desolado, sem água, sombra ou lugar para comprar mantimentos, além de soprar constantemente um vento fortíssimo contra. É o deserto central da Argentina.
Em San Martin tive que esperar por três dias até a chuva amenizar. Segui para conhecer parte da linda e famosa rota do Sete Lagos, de uma beleza incrível, com suas montanhas, bosques encantados e claro, muitos lagos de água limpa. Até Bariloche enfrentei muito frio, com chuva e neve. A sorte é que estava protegida usando ótimas roupas impermeáveis. Mas me alimentei mal e decidi ficar dez dias na bela Bariloche para repor as energias.
Depois de comer muita carne e feijão para repor proteínas e ferro, parti em direção à carreteira Austral. Já na saída de Bariloche encontrei com três divertidos e simpáticos bascos que também viajaram de bike e me juntei a eles. Mais adiante optamos pela região montanhosa de Cholila, com muitos quilômetros de ripio (estrada de chão com muitas pedras soltas), mas de uma beleza incrível, com fartura de água potável e lugares para acampar. Depois de nove dias juntos, eles seguiram para Esquel e eu para o passo Futaleufu, em direção ao Chile e á Carreteira Austral. Meu objetivo na carreteira foi a cidade de Coihaique, onde cheguei depois de muitos quilômetros em ripio com dois passos pela cordilheira e alguns dias de chuva. Mas as dificuldades tornaram-se amenas se comparadas com as paisagens da região que é belíssima, com imensos bosques, muitas montanhas nevadas, rios e lagos e uma bela vegetação.
Mas é preciso estar preparado fisicamente, pois o ripio, aliado com muitas subidas fortes dificultadas pelo peso da bagagem, exige muito esforço do ciclista. No caminho encontrei com muitos europeus pedalando, alguns jovens, outros de meia idade como eu e outros um pouco mais velhos. De Coihaique voltei pedalando até Bariloche onde fiquei por mais 10 dias conhecendo a região e aguardando a vinda de uma conhecida de SP para pedalarmos juntas por alguns dias. Minha amiga e eu saímos de Bariloche em direção a San Martin para fazer; desta vez completa, a rota dos Sete Lagos. Cruzamos então para o Chile pelo passo Hauaun. Fomos para Panguipulli, Villarica e Pucon, os quais fazem parte da bonita região dos lagos chilenos.
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Saímos do Chile pelo passo Malu Malal, também muito bonito com montanhas nevadas e vulcões. Conhecemos bem de perto o vulcão Lenin, mágico, maravilhoso, muito perto de uma floresta de araucárias, tudo de beleza extasiante. Sempre passando por paisagens diferentes das que estamos acostumados aqui no Brasil, chegamos ao Vale Encantado. O nome já diz tudo. É uma região meio desértica com formações rochosas imensas e impressionantes. Enfrentamos outro passo, o córdoba, em uma região com escassez de água e sombra, sob um sol muito quente.
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Depois de uns 960 km e de termos nos deliciado com cerejas maduras pelo caminho, voltamos á Bariloche de onde minha amiga, com suas férias finalizadas, voltou ao Brasil e onde permaneci por mais 10 dias desfrutando das belezas da região. Depois de me despedir dos amigos que foram a minha segunda família em Bariloche, iniciei meu retorno ao Brasil saindo em direção ao Chile pelo Passo Cadernal, que vai por Villa Angostura e desci em direção ao sul do Chile para conhecer a região de Cochamó que é montanhosa e beirando o mar, num lugar belíssimo e de muita paz de onde não dá vontade de sair mais. Dali peguei o rumo norte novamente e segui para Puerto Montt, Frutillar, Puerto Octay.
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Em meu retorno para o norte, me aconselharam a ir pela costa, onde o calor seria mais ameno. No verão chileno faz muito calor. Eu tinha que parar de pedalar ao meio dia, procurar a beira de um rio ou lago para me refrescar e esperar por 6 ou 7 horas para prosseguir com o sol ainda muito quente. Seguindo a sugestão, me dirigi ao oeste para cruzar a cordilheira da costa e encontrei um casal de suíços vindo de bike e que se dirigiram para o sul. Me avisaram que o tráfego de caminhões com madeira era intenso e a paisagem razoável.
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Decidi voltar para a rota 5 e ir pelo lado da cordilheira dos Andes o quanto fosse possível. Ao norte de Villarica já não há mais os belos lagos do sul, os rios são mais poluídos e não há bosques, porém há muitos vulcões e a bela vista da Cordilheira do Andes, com suas imensas montanhas nevadas. De Rancagua, entrei com bike e tudo em um trem, tipo metrô, que pára apenas por instantes na estação, para ir até Santiago. Não podia ir com a bike no trem, é claro, mas rapidamente retirei os alforjes, as rodas e coloquei-as junto com a bike em uma bolsa que sempre levo quando viajo desta forma. A bike transformou-se, então, em uma bagagem e aí tudo bem.
Decidi pelo trem para não entrar em Santiago de bike sozinha, pois em cidade grande é necessário ter mais cautela. Porém, por todo o sul da Argentina e Chile, assim como no Uruguai há muita tranqüilidade, é seguro e as pessoas são muito hospitaleiras e recebem muito bem os turistas. Quando pedia para montar a barraca no quintal das casas, por diversas vezes fui convidada para pernoitar na casa de meus anfitriões, com cama macia, banho e a agradável companhia das pessoas, pois quando se viaja sozinha, á noite é muito aborrecido continuar sozinha.
Além disso, aprendi muito com meus anfitriões, tanto sobre seus modos de vida, como sobre as histórias de seus pais. Quando havia necessidade, aproveitava estas oportunidades de contato com adultos e crianças para fazer o trabalho de conscientização ambiental, que consistia em esclarecer sobre os riscos para a saúde das pessoas, animais e plantas, com a contaminação do solo, da água e do ar. Foi uma troca de informações enriquecedora. A viagem toda foi uma experiência maravilhosa que em palavras é muito difícil de transmitir. Mas deixo uma das lições que aprendi com as viagens que já fiz de bike, de que não devemos desistir de nossos sonhos por medo ou por qualquer outra razão e que devemos confiar nos poderes que nos guiam. Só tenho o que agradecer à estes poderes que me permitiram tão bela experiência. Esta expedição teve o apoio de Alpamayo, Alto Estilo, Acampar, Jamur Bikes e By
Maria Cristina Hartmann (Chica) - formada em ciências biológicas pela UFPR, viaja de bicicleta desde 1999, já tendo pedalados por diversos países da América do Sul, Estados Unidos e Brasil, incluindo Chapada Diamantina e sul do país. |