PROJETO LAGAMAR
Em sete dos dez dias de viagem estivemos pedalando pela areia a beira-mar, em nosso horizonte três faixas distintas: azul do mar, branca da areia e verde da vegetação virgem. Some a isto a brisa incessante vinda do oceano e o som das ondas a quebrar já pertinho do rastro deixado pelas bicicletas e você terá imaginado um pouco do que testemunhamos. O convívio com comunidades distantes dos centros urbanos, ainda cheias de hábitos já esquecidos pelo homem da cidade grande, fez com que repensássemos nossos valores. O desafio de, por alguns dias, fazer parte do dia-a-dia destas vilas foi o que de mais enriquecedor trouxemos desta viagem. Experiências únicas como esta são difíceis de se transmitir em palavras, nosso objetivo é o de incentivar outros a conhecer esta região, e fazer sua própria história.
Trata-se de um roteiro cujo interesse vem crescendo recentemente devido a impressionante beleza e à proximidade com a cidade de São Paulo. A região do Lagamar (expressão utilizada para definir as depressões do fundo do mar e de rios, lagoa de água salgada e baía de golfos) está inserida no complexo estuarino-lagunar que engloba uma região que vai de Iguape, no Estado de São Paulo até Paranaguá, no Paraná. Sua extensão abrange o pouco que resta da maior área contínua de Mata Atlântica do Brasil. A viagem começa em Peruíbe, litoral paulista, rumo à cidade ecológica de Pedro de Toledo.
Nela começa o caminho do Despraiado, estrada de terra que nos leva até a cidade de Iguape cortando a Estação Ecológica da Juréia-Itatins. Ao longo dessa estrada, passamos por fazendas com inúmeras plantações de banana e observamos as formações da serra do Divisor, um lugar muito bonito com cadeia de montanhas nas duas margens. Nesta primeira etapa pedalamos até acamparmos sobre uma ponte inacabada ao lado da estrada. Uma boa dica para quem não tem pressa é conhecer o pico do Itatins, passando por uma antiga trilha que leva até o topo de onde se tem uma vista espetacular.No dia seguinte, depois de uma noite inteira de muita chuva e barracas alagadas, atravessamos por duas vezes o rio Despraiado, que simplesmente ignora a existência da estrada. Seguimos pedalando até a estrada que liga a BR-116 até Iguape, e apesar de não ter acostamento, ela é bastante tranqüila e pouco movimentada. Chegando em Iguape tratamos logo de atravessar a ponte que liga o continente à Ilha Comprida, estância balneária que possui 74 Km de comprimento por 4 km de largura, boa parte loteada, mas não ocupada. Uma vez lá, acampamos próximo ao centro.
A partir dali, começamos a aproveitar o que a viagem tem de mais especial e diferente: as pedaladas por areia em praias desertas. Não foi tão difícil como imaginávamos, pois a areia era dura o suficiente para mantermos uma velocidade compatível com nossos objetivos. Para se ter uma idéia, neste trecho da Ilha Comprida até os ônibus urbanos circulam a beira-mar. Foi praticamente um dia inteiro de pedalada desde o centro urbano até o extremo sul da ilha, tendo sempre a mesma visão do horizonte, formada por faixas de mar, areia e mato. Isto se tornaria uma constante nos próximos dias. Enfim chegamos até a balsa que nos atravessou para Cananéia, cidade que possui uma bonita arquitetura colonial dos séculos XVI e XVII, onde aproveitamos para descansar em uma pousada depois de três dias puxados.
Em Cananéia procuramos um barco que nos levasse até o Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Trata-se de uma das travessias mais lindas da região, passando por lugares incríveis através de um tortuoso canal até chegarmos na comunidade do Marujá na Ilha do Cardoso. A Ilha possui 225 Km quadrados, 90% deles cobertos pela Mata Atlântica. Simplesmente um lugar maravilhoso, com um pôr-do-sol mais bonito que já havíamos visto.
A comunidade do Marujá é formada por pescadores, alguns também participam como guias da região. Há pousadas rústicas e locais para camping, desde que autorizado pelos moradores. É proibido acampar na praia. Aproveitamos para ficar dois dias e conhecermos melhor o parque. Contratamos um nativo da ilha que nos guiou por uma trilha de mata fechada até duas piscinas naturais em meio à reserva. Este trekking dura um dia inteiro, e só deve ser feito acompanhado por um guia autorizado que conheça muito bem a região, pois em alguns trechos da trilha é fácil se perder, principalmente nas atravessias de rio. Na época de pico o volume de visitação é controlado para evitar o excesso de turistas, só entra quem tiver reserva em pousada ou camping.
Do Marujá, seguimos viagem ao longo da restinga da ilha até chegarmos na Barra do Ararapira, que faz divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná. Neste local fica a comunidade do Pontal do Leste, menor que a Marujá. De lá atravessamos de canoa até o Parque Nacional da Ilha do Superagüi já no Paraná. Aqui tivemos a primeira surpresa da viagem, foram seis atravessias de canais, desmontando e montando toda a bagagem das bicicletas e, ainda por cima, tendo que fazê-lo rapidamente, pois a maré subia muito e a cada travessia sentíamos mais dificuldades.
Até a vila de Superagüi pedalamos por uma praia totalmente deserta acompanhados por gaivotas e siris. Os únicos habitantes que encontramos eram pescadores da região fazendo o cerco (tipo de pesca artesanal) do dia. A vila do Superagüi fica na parte sul da ilha, de frente para as ilhas das Peças e do Mel, dentro da Bahia de Paranaguá.
Possui pousadas bastante simples e vive do comércio de peixes e camarões. No posto do IBAMA pode-se conseguir informações sobre trilhas e demais atrativos do lugar.
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Da Ilha do Superagüi atravessamos de "voadeira" (nome dado aos pequenos barcos motorizados) até a Ilha das Peças. Depois de uma rápida pedalada pela linda praia totalmente deserta, atravessamos, novamente de barco, para a ilha do Mel.
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Assim acabou o trecho onde percorremos localidades formadas por parques ecológicos e pequenas vilas de pescadores. Na ilha do Mel, mesmo tendo sua maior parte formada também por um parque, há muito mais estrutura turística com inúmeras pousadas e campings com um grande fluxo de visitantes em feriados e na alta temporada. Pode-se conhecer todas as suas praias através de trilhas limpas e bem sinalizadas. Estas trilhas levam a locais com vistas maravilhosas no alto de seus morros, podendo observar tanto a ilha, quanto a Bahia de Paranaguá. Lindo, vele a pena o passeio.
Atravessamos de balsa rumo a cidade portuária de Paranaguá, e com um gosto especial, pois foi o final de nossa primeira viagem de bike. De volta ao continente, depois de seis dias sem ver asfalto e carros, partimos logo para a histórica Morretes. Lá, pegamos o trem e seguimos até Curitiba por aquele que deve ser o trecho mais bonito e inesquecível da pouca e ativa malha ferroviária do Brasil. Já na capital do Paraná fizemos um night biker a espera pelo ônibus que nos levaria de volta para poluída e estressante São Paulo. Era o fim da mais bela viagem que fizemos...pelo menos até o momento.
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Fábio Ozório, publicitário, e Jorge Blanquer, estudante de Direito, iniciaram no cicloturismo em 1997 com uma curta viagem de Curitiba à Paranaguá descendo pela serra da Graciosa. Em 1999 repetiram este trajeto estendendo até a ilha de Florianópolis via litoral, passando pelo litoral do Paraná e Santa Catarina. Em 2000 realizaram o roteiro de Cunha à Paraty passando pelo Parque Estadual da Serra do Mar (núcleo Cunha-Indaiá), além de inúmeras viagens pelo trecho paulista da Serra do Mar e interior do Estado, Estrada velha de Santos e região de São Paulo.