e São Raimundo a Caracol (cidade base para se ir ao Parque Nacional das Serras das Confusões) são 90km de piçarra (cascalho). No meio do caminho paramos numa sombra para nos esconder do sol forte. Um senhor negro e bem idoso que estava deitado na rede numa casinha próxima, veio para prosear conosco. Puxou um tijolo e sentou. Contou sua vida e falou dos lugares onde já tinha trabalhado. Por último, quando nós perguntamos como ele tinha vindo parar ali, ele pensou um pouquinho e respondeu: Ah... foi por conta dos meus pecados. Deitou no chão e cochilou. Fizemos o mesmo. Só acordamos depois, com a mulher dele nos trazendo uma panela cheia de umbus (frutinha deliciosa) com água fresca.
Em Caracol, fomos procurar o centro do IBAMA para nos informarmos. Ficava na padaria e o chefe do IBAMA (dono da padaria) tinha ido viajar. Bom... Pegamos as informações com o motorista (com o qual tínhamos certa dificuldade de comunicação). Mas não tinha outro jeito. O parque é muito novo (cerca de dois anos) e por enquanto só existe no papel.
Na estradinha em direção ao Parque paramos para ajudar a desatolar uma D20. Quando chegamos: o velho, de cueca, cavando com a pá e o neto pelado andando na poça. Atoleiro na caatinga! Foi outra que não esperávamos.
No dia seguinte, chegamos ao início do parque. É lá no topo da serra com uma visão incrível de quase toda a área do parque. As serras recortadas e o verde preenchendo os vales. Tudo indo até o horizonte. Planejamos a viagem nesta época, justamente porque é a única época do ano em que a caatinga fica verde. E por ser a única, ela fica verde com toda a força, muito mais verde que as matas úmidas.
A estrada, que era de terra, se transformou em pedra. Isto é, estávamos pedalando numa canaleta escavada num bloco único de pedra. O arenito é uma pedra mole, que se desfaz com facilidade. E por isso mesmo, permite que o vento e a chuva esculpam nele formas muito interessantes. Como por exemplo a da fenda (que eles chamam de gruta) que estávamos procurando.
Escondemos as bicis. Ela ficava à esquerda da estrada cruzando alguns morrotes de pedra e descendo uma escadinha de ferro que levava até o fundo. Pinga água lá de cima e o ar é fresco. Nem parece que lá fora está aquele calorão. A luz que entra por cima vai rebatendo nas paredes e chega bem suavemente na areia lisa e plana do chão.
Antes do grande trecho desabitado, ainda passamos por três vilas. Na segunda delas, o Barreiro, tivemos uma experiência de certa forma assustadora. Quando paramos as bicicletas, todos os meninos, sem camisas, quase pelados, nos cercaram com caras assustadoramente magras. As barrigas eram grandes, de vermes. Depois chegaram alguns adultos, também em farrapos e com aparência de mortos. O que mais nos impressionava eram os olhos arregalados com que todos nos olhavam. E não diziam nada. A sensação de medo piorou quando tentamos começar um diálogo e não tivemos nenhuma resposta. Todos em silêncio, nos observando. Nos sentimos como se estivéssemos chegando em alguma tribo perdida no meio da África.
Ficamos um pouco mais tranqüilos quando chegou um velho com o qual conseguíamos conversar. Mas mesmo assim mudamos nossos planos de fazer duas trilhas que saiam dali, e fomos embora logo. Os meninos ainda nos seguiram um pedaço da estrada.
Na terceira e última vila, uma boa e uma má notícia. Primeiro a má: a vila não era uma vila, mas apenas uma casa. A boa: por muito pouco não ficamos sem água, pois os moradores estavam saindo da casa naquele instante. Pegamos a água do tonel, que é a água que eles coletam do telhado. Aliás, a água da chuva era a melhor água que nós tomávamos por lá, pois normalmente as águas de poço eram salobras.
A partir dali estávamos sozinhos. Ficaríamos pelo menos dois dias sem encontrar ninguém. Depois do susto por que passamos, isto nos deu uma tranqüilidade muito grande. E também uma sensação de liberdade e independência que só a natureza selvagem pode causar. Porém, o preço não foi barato.
Passamos cerca de 20km praticamente arrastando a bicicleta no areão. Uma camada de areia fofa de uns 30cm, difícil até de andar. Terminamos o dia exaustos, mas alegres, pois um pouquinho antes de escurecer a estrada melhorou e nós encontramos um lugar excelente para montar a barraca. O dia seguinte foi completamente diferente. A vegetação ficou mais alta e as árvores cobriam a estrada formando uma espécie de túnel. Em vez da areia, a dificuldade agora eram as piscinas no meio da estrada. Era impossível passar pelo meio, pois atolávamos e, além disso, a água estava na altura do câmbio. Contornávamos, então, pelas bordas quase carregando a bicicleta e nos emaranhando nos espinheiros.
Ah... e eu já estava esquecendo de falar dos insetos. Abelhas, mutucas e abelhas jataí. Sempre zumbindo no ouvido, mas por sorte muito mansas (não levamos nenhuma picada). O povoado do Japecanga foi um presente de final de travessia. Tinha água, luz e até telefone para ligar para a mãe! E a próxima cidade, Cristino Castro, que tem água que não acaba mais! É o segundo maior lençol freático do mundo. Você faz um furo até o lençol e a água jorra (igual petróleo) vários metros. Piscina é o que não falta lá.
Desmontamos as bicicletas colocamos no bagageiro do ônibus e fomos para Sousa (PB) ver as pegadas de dinossauros.
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