Pedalando e educando: 9º Relato

 14° Diário - 03 de setembro de 2002 Timor Leste

Ola amigos, Acabo de passar pela Nação mais nova do mundo, Timor Leste, que lutou os últimos 28 anos pela independência e conseguiu alcançá-la agora - dia 20 de maio de 2002.

Timor Leste foi, assim como o Brasil, colônia de exploração portuguesa. Em 1975 conseguiu a independência de Portugal e foi invadida pelo país vizinho, Indonésia, que manteve seu domínio até 1999, quando o povo votou pela independência. Após este plebiscito milícias pró-Indonésia arrasaram o país. Hoje o poder está sendo transferido para o atual presidente eleito pelo povo em abril de 2002, Xanana Gusmão.

 

A cidade de Dili ainda vive um clima de rebeliões. Agora com uma violência muito menor e com reivindicações mais amenas.

Protesto contra os "internacionais" em frente ao Edifício do Governo

Um dos protestos que presenciei foi um pouco tragi-cômico. Dezenas de presos fugiram da cadeia para se rebelarem em frente ao palácio do governo e depois voltaram para a prisão.

A sociedade tem uma estrutura tribal e é bastante comum as rebeliões e brigas se transformarem em pedradas, catanadas ou incêndio.

Alguns timorenses, principalmente ex-membros da resistência desocupados, protestam contra os "internacionais" alegando que estão perdendo postos de trabalho.

Tive sorte e cheguei em Dili no dia 20 de agosto, exatamente na data de comemoração de aniversário de 28 anos da FALINTIL. Os guerreiros das montanhas desceram para a capital para comemorarem pacificamente.

A proibição da língua portuguesa durante a ocupação indonésia fez com que a língua representasse um orgulho nacionalista. Tive oportunidade de fazer algumas palestras e os alunos sempre ficavam curiosos sobre as línguas faladas no Brasil.

FALINTIL – Guerreiros que lutaram pela independência de Timor Leste

O português e o tétum são as línguas oficiais no Timor Leste e o inglês e o indonésio as línguas de trabalho. Além destas o país possui dezenas de dialetos que são falados nos Sucos (aldeias). Nas ruas o português falado é muito simplificado. Não existe conjugação verbal e o vocabulário é muito reduzido.

Fiz duas palestras em português junto ao programa Brasil – Timor Leste (Projeto Teleducação) patrocinado pelo Governo Brasileiro, Governo Timorense, ABC e Fundação Roberto Marinho. Para isso contei com a ajuda imprescindível de dois brasileiros: a mineira Mariangela Guerra e Francisco Osler. Obrigado pelo apoio e parabéns pelo trabalho!

Muitos acreditaram que a independência tiraria o país da miséria e resolveria todos os seus problemas e a situação atual é de um país devastado e com uma perspectiva de reconstrução lenta.

 Desenho de aluno timorense - Casa típica do Timor Leste

Aqui comem de tudo! Desde o tradicional arroz até cachorro. Se você atropela qualquer animal na estrada tem de pagar uma multa pelo "alimento perdido". Atropelar um cachorro tem multa entre 15 e 20 dólares. Em geral os animais aqui são muito maltratados. Ainda existem muitas brigas de galo. Quase toda casa tem um galo que fica amarrado pela perna. Galinhas são transportadas vivas, de cabeça para baixo, amarradas nas motos e cachorros são transportados totalmente amordaçados.

Muito pouco foi feito até então para reabilitar a infra-estrutura do país. A energia cai constantemente e ainda provém de geradores diesel improvisados. Os orelhões estão todos quebrados. Para telefonar é preciso usar celular da austrália que está funcionando provisoriamente no Timor. A água que já era problema antes da destruição está ainda pior. Todo esgoto está a céu aberto e a água encanada não é confiável. Para se reerguer, o país conta com o ouro e reservas de petróleo e gás natural ao largo de suas costas que são hoje uma questão diplomática complicada entre Austrália e Timor Leste. O poder é dividido entre o presidente Xanana Gusmão, os chefes dos Sucos e a igreja católica que é a religião de 97% da população (reflexo da colonização portuguesa).

Escombros de um prédio destruído pelas milícias pró-Indonésia

A cidade possui apenas casas e prédios baixos. Muitas das construções usadas pela ONU e governo estão cercadas por barricadas de arames farpados. Pedalando um pouco para a periferia já é possível encontrar bairros que mais parecem aldeias indígenas, que ficam na base das montanhas que cercam Dili. Da Austrália soube que o amigo brasileiro Caco estava trabalhando na ONU no Timor e, antes de voar para Dili, recebi uma encomenda: "- Argus, por favor me traga um saco de leite em pó da Austrália!"

Casa das aldeias perto de Dili

Antes de chegar em Timor já imaginei o caos que deveria estar uma cidade onde falta leite em pó! Um dos poucos supermercados é o "Hello, Mister" que abastece a população local e as centenas de trabalhadores internacionais da ONU, chamados de "misters" pelos timorenses. De noite as ruas ficam escuras pois os postes de luz foram destruídos. Poucas ruas possuem nomes, os imóveis não possuem numeração e o correio funciona apenas com caixas postais. Apesar de tantos problemas a criminalidade é baixa.

O povo timorense é extremamente amigável e adora brasileiros. São bons de bola e apaixonados pelo futebol do Brasil.

 

Aqui é comum os homens pintarem as unhas e andarem de mãos dadas nas ruas. Diferente do que ocorreu no Brasil aqui existiu muita pouca miscigenação entre portugueses e o povo local.

Crianças na praia de Dili

A família tem um costume de enterrar os parentes próximos no quintal da casa e, quando mudam, desenterram o falecido e levam o caixão junto com a bagagem para enterrarem no quintal da casa nova. De alguma forma o morto segue vivo e possui moradia "- Meu pai está morto em Bali" me falou um timorense. Timor Lorosa’e é um exemplo de resistência e esperança. Fiquei contente de ter visitado este novo país num momento tão importante para sua história. Um pequeno país cuja grandeza do ideal chocou todo o mundo. Infelizmente as conquistas custaram muitas vidas. Mais uma vez nós humanos fomos incapazes de resolver nossas questões diplomaticamente e tivemos de regredir para a guerra usando o método mais primitivo de negociação. De Dili segui para Bali. Atravessei a fronteira para a Indonésia pedalando e depois peguei um carro até Kupang para atravessar as montanhas do centro da ilha. De Kupang peguei um barco para Kuta, em Bali.

O caminho pelo litoral possui várias praias paradisíacas. De tempos em tempos encontrei aldeias de pescadores com muitas crianças que sempre cumprimentavam e queriam tirar fotos.

Na fronteira dormi no acampamento da Força de Paz do Exército Brasileiro, onde ganhei um kit de primeiros socorros e algumas rações que o exército usa em emergências.

Força de Paz do Exército Brasileiro no Timor Leste

No lado indonésio a língua se transformou numa grande confusão. Não entendo nada de indonésio e quase ninguém fala inglês. O negócio está sendo apelar para mímicas. Agora estou em Bali mas deixarei para falar sobre a Indonésia no próximo capítulo.

Um abraço, Argus


PATROCÍNIO: Cultura Inglesa APOIOS: Atex Lajes Nervuradas, BHZ Arquitetura, SOL Serviços On Line, Aliança Francesa, Prudential Bradesco, Rotary Club e Telemig Celular *Os Textos completos você encontra no site: www.pedalandoeeducando.com.br

 

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