Eu havia apenas concluído a primeira etapa do Pedal na Estrada quando fui para o aeroporto de Lima com destino à Auckland, Nova Zelândia. Estava satisfeito e confiante após ter conseguido atravessar a América Latina, mas apreensivo por estar prestes a ir para o outro lado do mundo e iniciar a segunda etapa deste projeto, nas ilhas da Oceania. O Pedal na Estrada ainda estava no começo e eu não tinha idéia do que estava por vir. A principio a Nova Zelândia nem aparecia em meu roteiro, mas resolvi adicionar este país em meu caminho, com a idéia de permanecer por lá apenas poucos dias e depois continuar em meu ritmo normal na já planejada Austrália.
No entanto, a terra dos kiwis me tomou mais tempo do que eu esperava, a começar pelo avião. Foram 2 dias de viagem, somadas as 16 horas de fuso entre o horário brasileiro e o neozelandês. Quando aterrissei em Auckland um dia de minha vida havia desaparecido. O tempo não parecia estar ao meu lado. Da aterrissagem até as ruas neozelandesas eu levei 5 horas, contando com a ajuda da alfândega kiwi. Tudo só porque eu tinha uma passagem só de ida, 7 dólares em meu bolso, 2 facas, um spray de pimenta (ilegal no país, comidas, uma garrafa de benzina, equipamento esportivo, uma barraca vindo da temida América do Sul e, por fim mas não menos perigoso, ser brasileiro.
Quando finalmente dentro do país eu vi um mundo novo. Ruas limpas e organizadas, conveniências, preços mais caros e mais brasileiros do que em toda a América do Sul. Era o início de uma nova fase. Logo comecei a conhecer o norte do país e logo também perdi meus cartões de crédito. Nunca descobri onde o cartão foi parar e provavelmente nunca descobrirei. Não tinha mais dinheiro e agora estava preso pelo bolso. Foram 3 semanas dormindo no sofá de um albergue e contando com a ajuda do destino para comer e me divertir até minha fonte de renda voltar para o meu bolso e deixar eu voltar para a estrada.
Quando de volta ao asfalto, fortes ventos frios e muitas montanhas marcaram meu caminho na ilha norte. O tempo neozelandês é simplesmente imprevisível e pode ter as 4 estações do ano num só dia. Do calor ao frio extremo, passando por chuvas e fortes ventos é uma mudança comum nestas ilhas do Pacífico. Depois de cruzar a Ilha Norte, de Auckland a Wellington, uma forte tempestade que destruiu barcos e casas encerrou meus dias nessa ilha. Era hora de encarar o frio da Ilha Sul, que me recompensaria com paisagens de tirar o fôlego.
Cadeias de montanhas quilométricas, picos nevados dividindo a mesma paisagem com o oceano azul, glaciais ao lado de florestas verdes, cachoeiras, lagos azuis e saltos de pára-quedas fazem parte da Ilha Sul. O cenário desta ilha é algo único e não é por acaso que já fez parte de diversos filmes. Ao deixar o país vi os picos nevados se afastaram e marcarem o fim dos meus dias kiwis depois de quase 2 meses no país, sendo que minha idéia inicial era apenas passar 2 semanas entre as 2 ilhas. Embarquei para a Austrália já cansado de frio e tempo ruim. Pensava que encontraria calor, praias ensolaradas e cangurus bronzeados, mas esqueci que estava aterrissando em Melbourne, famosa pelo seu tempo ruim. Contrariando o que eu sonhava eu dei de cara com o novembro mais frio da história do país. Porém não podia esperar o sol voltar, percorri então a Great Ocean Road, uma das estradas mais belas do mundo, com casaco e brigando contra o vento frio e as montanhas do sul deste grande país.
A recompensa veio com a paisagem, uma costa de despenhadeiros e esculturas de areia esculpidas pelo mar e pelo tempo. Continuei pela costa oeste pedalando para o norte e a temperatura começou a se elevar aos poucos. Conforme o clima ficava mais quente mais moscas surgiam para me acompanhar. As moscas australianas são especiais e gostam é de pousar na sua cara, especialmente no nariz, olhos e boca. Pedalar com a boca fechada foi minha única saída para conseguir chegar até a maior cidade do país, Sydney. Ali, além de muita gente correndo de um lado para o outro eu encontrei uma grande comunidade de brasileiros vivendo como se estivessem no Brasil.
Esse não era o fim do meu caminho, era só a metade dele na verdade, ainda tinha que chegar em Brisbane, ou seja, mais 1000 quilômetros de estrada. Esta distância foi marcada por fatos surpreendentes e até mesmo místicos, como chegar numa pequena cidade e ser recebido por uma família que disse me esperar, pois sabiam que eu viria. Acampando nos quintais de hospitaleiras casas eu segui até as praias de Byron Bay, onde passei o meu fim de ano. Meu caminho aussie estava próximo do fim. A próxima parada foi na superturística Gold Coast que me obrigou a dormir na rua por falta de ter onde ficar e depois em Brisbane, meu ponto final no país. Como ainda contava com tempo até sair deste território eu resolvi fazer uma visita ao Deserto Vermelho do centro do país. Do verde eu fui para o vermelho, das árvores para rochas e galhos retorcidos na paisagem seca de 45º graus. Aborígenes, vale rochosos e o maior monólito do mundo, Uluru, marcaram minha estadia no deserto e foram a minha despedida do país.
Voltar para Brisbane foi preciso e embarcar para a Indonésia simplesmente inevitável. Meus prazerosos meses de Oceania haviam acabado da melhor forma possível depois de alguns meses nestes 2 sensacionais países, que mais que respeitar as bicicletas, respeitam cada pessoas como um ser humano. Antes de pisar na Indonésia para iniciar meus dias de Ásia, eu não tinha a mínima idéia do que estava por vir, apenas sentia que o meu destino estava prestes a sofrer uma grande mudança. Mudou mesmo, mas esta já é outra história.
Arthur Simões Cardoso Neto, 25 anos, é formado em Direito, professor de yoga, ciclista e esportista convicto. Ele executa o Pedal na Estrada viajando por mais de 30 países sobre uma bicicleta, com o patrocínio da Bristol-Myers Squibb e o apoio de Fuji Bikes, Dennova e Base64. www.pedalnaestrada.com.br |